quarta-feira, 12 de outubro de 2011

SENTENÇA - ACP - HOSPITAL PÚBLICO - TERCEIRIZAÇÃO - 1ª VARA CÍVEL - ITABIRA


S E N T E N Ç A






Na Comarca de Itabira, MG, aos 31.AGO.2009, ajuizou o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS “ação civil pública” em face do MUNICÍPIO DE ITABIRA em que pediu o reconhecimento de inconstitucionalidade da Lei municipal nº 4.275, de 2009 e a condenação do demandado a assumir a gestão e execução dos serviços prestados no Hospital Carlos Chagas, por meio de sua administração direta ou por meio de autarquia, destinando a totalidade dos atendimentos ao Sistema Único de Saúde (SUS); assegurar a continuidade dos serviços ali prestados; e tomar providências necessárias a fim de que os serviços sejam prestados por servidores públicos concursados.  Em caráter eventual, pugnou pela abstenção de celebração de convênios para a gestão e execução dos serviços naquele nosocômio à falta do necessário processo licitatório.
Como causa de pedir, aduziu que, aos 05.DEZ.2004, o MUNICÍPIO DE ITABIRA tornou-se proprietário do Hospital Carlos Chagas, que antes pertencia à COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.  A aquisição deu-se sob o compromisso de que a municipalidade ré respeitasse os termos de contrato de comodato celebrado entre a então proprietária e a SOCIEDADE BENEFICENTE SÃO CAMILO.
Informou que, no curso do comodato, a entidade comodatária deixou de cumprir com algumas cláusulas previstas no instrumento, a saber:  deixou de ampliar a capacidade de atendimento; deixou de adquirir equipamentos, passando a se valer de mamógrafos e ecocardiógrafos de terceiros; terceirizou os serviços de radiologia e de ultrassonografia, desativando equipamentos sem autorização do Município; desativou os serviços de lavanderia, ginecologia e obstetrícia; deixou de investir US$ 250,000.00 (duzentos e cinquenta dólares americanos).
Demais disso, teria disponibilizado apenas quarenta por cento dos seus leitos para pacientes atendidos pelo SUS, ao argumento de que estaria a disponibilizar porcentual maior em outros municípios em que atua.
Noticiou que inspeções e vistorias detectaram a necessidade premente de diversas benfeitorias, de fora à parte o sucateamento de estruturas.
Narrou, de forma pormenorizada, o histórico das negociações tendentes a dar pleno cumprimento ao contrato que fora celebrado, que culminaram na celebração de “Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta”, assinado aos 18.AGO.2008. por meio do qual o MUNICÍPIO DE ITABIRA e a SOCIEDADE BENEFICIENTE SÃO CAMILO obrigavam-se a tomar inúmeras medidas tendentes a regularizar a prestação de serviços de saúde naquele nosocômico.
Todavia, Laudo e Parecer Técnico evidenciaram enorme discrepância entre o que deveria ter sido e o que foi efetivamente investido pela SOCIEADE BENEFICENTE SÃO CAMILO, influindo negativamente, inclusive, na taxa de ocupação do HOSPITAL NOSSA SENHORA DAS DORES, que passou a atender também a pacientes oriundos daquele hospital.
A despeito do que fora ajustado com o Parquet, sobreveio a Lei municipal nº 4.275, de 2009, a qual estabelece a “execução, em regime de parceria e colaboração de serviços públicos de saúde a serem desenvolvidos no Hospital Carlos Chagas” e que autorizaria, mercê de seu artigo 2º, o trespasse a instituições sem fins lucrativos das atividades de execução material do serviço de saúde, permanecendo a Administração Pública tão-somente com as áreas de “supervisão” e “fiscalização”.
À causa atribuiu o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), trazendo à colação os documentos de folhas 47-1.145.
Despacho liminar positivo à folha 1.147.
O MUNICÍPIO DE ITABIRA ofereceu o “pronunciamento prévio” de folhas 1.146-1.183, da lavra dos preclaros Drs. CARLOS PINTO COELHO MOTTA e FABIANO PENIDO DE ALVARENGA, apetrechado dos documentos de folhas 1.184-1.263.
Pela respeitável decisão de folhas 1.266-1.269, restou indeferida a antecipação de tutela vindicada na petição inicial.
Regularmente citado, apresentou o MUNICÍPIO DE ITABIRA resposta na modalidade de contestação em que arguiu preliminar de litisconsórcio passivo necessário.
No mérito, justificou a opção da entidade política em firmar parcerias com a FUNDAÇÃO COMUNITÁRIA DE ENSINO SUPERIOR DE ITABIRA (FUNCESI, doravante) e com a FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA (FUNEP, doravante) na necessidade de fomentar a atividade de ensino, explicitando as inúmeras vantagens na celebração das associações cooperativas com tais entidades.  Asseverou que a contratação encontra amparo na Lei nº 8.958, de 1994 e no Decreto nº 5.205, de 2004.
Informou que não se procedeu à simples terceirização dos serviços de saúde, mas a “gestão compartilhada” de tais serviços, tanto que o MUNICÍPIO DE ITABIRA participa da administração superior da entidade hospitalar por meio de sua Diretora Assistencial.
Traçou judiciosa digressão a respeito da natureza jurídica dos convênios e propugnou a desnecessidade de realização de processo licitatório destinado à escolha da entidade conveniada.
Impugnação autoral às folhas 1.339-1.350, acompanhada dos documentos de folhas 1.351-1.491.
Decisão interlocutória de saneamento proferida às folhas 1.493-1.494, azo em que restou afastada a preliminar arguida pelo demandado.
Agravo retido às folhas 1.504-1.519, devidamente contrarrazoado às folhas 1.532-1.536.
Vieram conclusos a esse Juiz de Direito cooperador.
É o RELATÓRIO do quanto necessário.  Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
Não há nulidades a serem sanadas, tampouco vislumbro qualquer delas que deva ser conhecida de ofício.  Arredada a preliminar erigida pelo demandado em sua bem lançada resposta, e porque presentes os pressupostos processuais e as condições para o legítimo exercício do direito de ação, passo, súbito, ao mérito.
Escuso-me de tecer, brevitatis causa, maiores considerações a respeito da questão fática, porque despiciendas, consoante relatório acima lançado.
Pelo que se dessume dos autos, a anterior parceria do município réu com a SOCIEDADE BENEFICENTE SÃO CAMILO levou o Hospital Municipal Carlos Chagas à situação de débâcle financeira, o que acarretou, via de consequência, a impossibilidade de prestação satisfatória dos serviços públicos de saúde aos munícipes.
Cuida-se, pois, de prescrutar se a saída encontrada pela entidade ré,  com esteio na Lei municipal nº 4.275, de 2009, com base na qual foi celebrado convênio com a FUNCESI e FUNEP, sustenta-se no plano jurídico.
Esclareço, desde logo, que a mera participação de uma única funcionária de carreira no corpo diretivo do nosocômico, consoante anotado na coarctada, não tem o condão de desnaturar o trespasse de suas atividades-fim para entidades conveniadas, sem que com isso se queira, de logo, declarar imprestáveis os documentos firmados com arrimo na legislação municipal.
Cumpre-me, tão-somente, pois esse foi o campo delimitado da litiscontestatio, proclamar a correção do obrar da ré, no que toca à gestão dos essenciais serviços subministrados por meio do hospital.
Com o surgimento das Organizações Não-Governamentais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, no âmbito do alcunhado “Plano Diretor da Reforma do Estado”, alvitrado pelo então Ministério da Administração e Reforma do Estado, passou-se a questionar a legalidade e, mais que isso, a constitucionalidade do trespasse, sic et simpliciter, de determinadas atividades fundamentais da Administração Pública ao chamado Terceiro Setor.
Relativamente no que toca às atividades econômicas desenvolvidas pelo Estado, a regra, é cediço, é a subsidiariedade da incursão estatal, proclamada em alta voz pela Lex Legum no artigo 173 de seu corpo permanente.
Não assim no que concerne à ordem social de que tratam os artigos 193  e seguintes, surgindo o Estado como ator de subida importância na educação, saúde e assistência social.
Especificamente no que tange à saúde, o Constituinte originário foi bastante claro ao estabelecer como diretriz a participação da comunidade, bem assim a liberdade de ingresso dos atores privados no cenário, mas de forma complementar ao sistema de saúde único, dando-se preferência às entidades filantrópicas e àquelas sem fins lucrativos, ao passo que veda auxílios e subvenções a empresas que não ostentem tais objetivos.
Transcrevo, por pertinente, a redação do artigo 199 da Constituição da República, ipsissima verba, mas sem os grifos ora adicionados:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
§ 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.
§ 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

Resta claro, destarte, que é o Estado o responsável pela execução direta dos serviços, possibilitada a participação de agentes do segundo e terceiro setores, independentemente de concessão ou de permissão, institutos exigidos apenas para os chamados serviços de Estado não abertos à iniciativa privada, na forma do artigo 175 do Texto Constitucional.
A respeito do tema, eis o precioso escólio de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Parcerias na Administração Pública, 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 243), verbatim, com grifos ora adicionados:
É importante realçar que a Constituição, no dispositivo citado, permite a participação de instituições privadas 'de forma complementar', o que afasta a possibilidade de que o contrato tenha por objeto o próprio serviço de saúde, como um todo, de tal modo que o particular assuma a gestão de determinado serviço.  Não pode, por exemplo, o Poder Público transferir a uma instituição privada toda a administração e execução das atividades de saúde prestadas por um hospital público ou por um centro de saúde; o que pode o Poder Público é contratar instituições privadas para prestar atividades-meio, como limpeza, vigilância, contabilidade, ou mesmo determinados serviços técnico-especializados, como os inerentes aos hemocentros, realização de exames médicos, consultas etc.; nesses casos, estará transferido apenas a execução material de determinadas atividades ligadas ao serviço de saúde, mas não sua gestão operacional.

Nesse eito, o Estado possui a missão constitucional de exercer, de forma direta, a execução dos serviços na área de saúde, permitindo-se, todavia, à iniciativa privada, a transferência de serviços adjetos a eles, pois, como acentua Di Pietro, e o faz com toda a propriedade, “não tem fundamento jurídico, no direito brasileiro, a terceirização que tenha por objeto determinado serviço público como um todo.” (obra citada, p. 239).
No mesmo sentido, o renomado professor paulista Celso Antonio Bandeira de Mello.
[…] no art. 196 a Constituição prescreve que a saúde é 'dever do Estado’ e nos arts. 205, 206 e 208 configura a educação e o ensino como deveres do Estado, circunstâncias que o impedem de se despedir dos correspondentes encargos de prestação pelo processo de transpassá-lo a organizações sociais […]. como sua prestação se constitui em 'dever do Estado', conforme os artigos citados (arts. 205, 206 e 208), este tem que prestá-los diretamente. Não pode eximir-se de desempenhá-los, motivo pelo qual lhe é vedado esquivar-se deles e, pois, dos deveres constitucionais aludidos pela via transversa de 'adjudicá-los' a organizações sociais. Segue-se que estas só poderiam existir complementarmente, ou seja, sem que o Estado se demita de encargos que a Constituição lhe irrogou. (Curso de Direito Administrativo, 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 232)

Ergo, infere-se não ser possível ao titular do serviço dele demitir-se, ainda que sob o color de que a inconstitucional transferência traria maiores benefícios à população, o que configuraria, de resto, atestado de incapacidade para gestão de serviços próprios do estado, embora não-exclusivos.
Em casos como os de que tratam estes autos, a possibilidade de delegação a particulares integrantes do chamado Terceiro Setor somente seria viável na chamada “atividade-meio”, pois o arcabouço legislativo pátrio que trata de convênios, termos de parceria (Lei nº 9.790, de 1999) ou contratos de gestão (Lei nº 9.637, de 1998) não autoriza, de forma alguma, aviso em sentido contrário.
Consoante lição de GUSTAVO JUSTINO DE OLIVEIRA e FERNANDO BORGES MÂNICA (Organizações da sociedade civil de interesse público: termo de parceria e licitação. In: Fórum administrativo – Direito Público, ano 5, nº 49. Belo Horizonte: Fórum, mar/2005, p. 5209-5351),
a OSCIP deve atuar de forma distinta do Poder Público parceiro, ou seja, deve ser clara a separação entre os serviços públicos prestados pela entidade pública e as atividades desenvolvidas pela OSCIP (...) impedindo-se, assim a caracterização de uma forma ilegal de terceirização de serviços públicos. Afinal, o termo de parceria é instrumento criado para que entidades do terceiro setor recebam incentivo para atuar ao lado do ente público, de maneira distinta dele, e não para que substitua tal ente, fazendo as vezes do Poder Público.

Repontando-se para a hipótese sub iudice, o que fez a Lei municipal de Itabira nº 4.275, de 2009, publicada poucos dias antes dos convênios que culminaram por trespassar as atividades a fundações de direito privado, foi, sob o color de aguilhoar a modernização do Estado e assegurar melhores eficiência gerencial e de prestação dos serviços, reservar para o MUNICIPIO DE ITABIRA tão-somente a “supervisão e fiscalização” dos serviços públicos, afastando-se do desiderato constitucional e propiciando a entrega de próprio municipal, de bens móveis, de recursos financeiros, de fora à parte conferir-lhes autonomia para geri-los e para contratar, à míngua do devido processo licitatório.
Como mero reforço de argumentação, anoto que o Sistema Único de Saúde é de responsabilidade do Estado, devendo ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A atuação complementar da iniciativa privada somente é autorizada constitucionalmente quando a capacidade instalada das unidades hospitalares estatais revelar-se insuficiente, dando-se preferência a entidades filantrópicas e sem fins lucrativos.
No mesmo sentido, a Lei nº 8.080, de 1990, que permite às entidades estatais lançarem mão da capacidade já instalada da iniciativa privada, quando insuficiente o aparelhamento estatal.  Com o perdão da filosofia acaciana, “capacidade já instalada” pressupõe a prévia atuação não estatal no setor.
Mais uma vez, caem a lanço as lições de Di Pietro, com grifos que adiciono:
No entanto, a própria Constituição faz referência à possibilidade de serem os serviços públicos de saúde prestados por terceiros, que não a Administração Pública. Com efeito, o art. 199, § 1º, estabelece que "as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos."

A Constituição fala em contrato de direito público e em convênio. Com relação aos contratos, uma vez que forçosamente deve ser afastada a concessão de serviço público, por ser inadequada para esse tipo de atividade, tem-se que entender que a Constituição está permitindo a terceirização, ou seja, os contratos de prestação de serviços dos SUS, mediante remuneração pelos cofres públicos. Trata-se dos contratos de serviços regulamentados pela Lei nº 8.666, de 21.6.93, com alterações introduzidas pela Lei nº 8.883, de 8.6.94. Pelo art. 6º, inc. II, dessa lei, considera-se serviço "toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse da Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais."

[...]

A Lei nº 8080, de 19.9.90, que disciplina o Sistema Único de Saúde, prevê, nos arts. 24 a 26, a participação complementar, só admitindo-a quando as disponibilidades do SUS "forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área", hipótese em que a participação complementar "ser formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público" (entenda-se, especialmente, a Lei n° 8.666, pertinente a licitações e contratos). Isto não significa que o Poder Público vai abrir mão da prestação do serviço que lhe incumbe para transferi-la a terceiros; ou que estes venham a administrar uma entidade pública prestadora do serviço de saúde; significa que a instituição privada, em suas próprias instalações e com seus próprios recursos humanos e materiais, vai complementar as ações e serviços de saúde, mediante contrato ou convênio."

Da maneira como vem obrando a municipalidade ré, o que se pode afirmar, à margem de qualquer dúvida ou entredúvida, é a contratação, à revelia das normas cogentes, de prestação de serviços públicos acompanhadas de concessões de uso, transferência de recursos públicos etc. com demissão total da atividade de execução, o que se mostra ilegal e inconstitucional, ainda que se formalizem sob o epíteto de convênio, pois não é o nome que confere natureza às coisas.
Transcrevo pertinente precedente da Corte paranaense, nesse mesmo diapasão:
APELAÇÃO CÍVEL - CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TERMO DE PARCERIA FIRMADO ENTRE MUNICÍPIO E ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO - OSCIP - TRANSFERÊNCIA, SENÃO TOTAL, QUASE QUE TOTAL, DOS SERVIÇOS DE SAÚDE PÚBLICA MUNICIPAL À INICIATIVA PRIVADA - IMPOSSIBILIDADE - VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL - RECURSO DESPROVIDO
1. Os serviços públicos de saúde, nos termos do art. 199, § 1º, da Constituição Federal , devem ser prestados diretamente pelo estado, cabendo à iniciativa privada, no que diz respeito ao Sistema Único de Saúde, apenas e tão-somente atividades complementares, mediante contrato de direito público ou convênio.
2.         Restando demonstrado nos autos que o Município de Palotina pretende transferir a administração do único hospital público municipal à iniciativa privada, inclusive com o repasse à instituição que for administrá-lo das verbas que lhe cabem no Sistema Único de Saúde, certo ser afirmado, como decidido pelo ilustre Magistrado de 1º Grau de jurisdição, que a atividade da instituição privada não será, no que diz respeito à saúde pública, complementar às do Município." (TJPR - AC 0426165-4 - 5ª C.Cív. - Rel. Juiz Conv. Eduardo Sarrão - DJe 22.09.2008)



Também merecem alusão, as lúcidas ponderações lançadas em decisão monocrática da lavra do culto Desembargador paranaense MIGUEL KFOURI NETO:
SUSPENSÃO DE LIMINAR Nº 772.532-0 REQUERENTE : MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA. INTERESSADO : PASCOAL ADURA e WINSTON ANTÔNIO BASTOS. VISTOS Município de Ponta Grossa postula a suspensão dos efeitos da decisão exarada pelo Dr. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Ponta Grossa (fls. 22/25), o qual, nos autos da ação popular nº 9400/2011, suspendeu o curso do procedimento de chamamento público, na modalidade de credenciamento, aberto para contratação de pessoas jurídicas, sem fins lucrativos e ligadas a instituições de ensino superior, para prestarem serviços na área de saúde, mais precisamente nos quatro Centros de Atenção à Saúde (CAS) existentes no âmbito do seu território. Sustenta em sua petição (fls. 02/21), que o procedimento instaurado não é ilegal, já que, por se tratar de uma forma de contratação direta, encontra amparo no art. 25 da Lei de Licitações - Lei nº 8.666/93 -, sobretudo porque, sendo possível a contratação de todos os que demonstrem interesse de atuar no ramo da saúde e atendam às condições mínimas estabelecidas no regulamento, torna-se impossível a competição, ainda mais que os valores a serem pagos são explicitados no edital e são os mesmos para todos.
Aduz, ainda, que o próprio Tribunal de Contas da União, ao examinar caso análogo ao que se apresenta, entendeu não haver irregularidade alguma.
Afirma, ainda, que no Estado do Paraná foi editada a Lei nº 15.608/2007, na qual a contratação por meio de credenciamento foi regulamentada, não havendo óbice algum a que seja implementada pelos municípios.
Assevera, por outro lado, que, ao contrário da alegação do autor da ação popular, e que foi acolhida pelo ilustre magistrado prolator da decisão impugnada, não haverá transferência dos serviços de saúde à pessoas jurídicas de direito privado, o que encontra óbice no art. 198 da Constituição Federal, até porque os quatro Centros de Atenção à Saúde - CAS existentes em Ponta Grossa não são os principais serviços de saúde ofertados pelo município, que também conta com dezesseis (16) unidades básicas de saúde e vinte e duas (22) Unidades Saúde da Família, com quarenta (40) equipes de saúde da família, locais em que servidores públicos efetivos atuam e prestam os serviços à comunidade.
Entende que, em razão dessa circunstância fática, outra não pode ser a conclusão senão a de que a contratação de pessoas jurídicas sem fins lucrativos para atuar na área de saúde visa complementar os serviços já prestados pelo município na área de saúde, o que não é vedado pelo art. 199 da Constituição Federal.
Alega, também, que, caso a decisão contestada não seja suspensa, os quatro Centros de Atenção à Saúde - CAS fecharão as suas portas, já que em 15 de abril deste ano as empresas que foram contratadas no ano de 2007 para neles prestarem os serviços de saúde deixarão de fazê-lo, pois os contratos encerrar-se-ão naquela data, não mais podendo ser prorrogados em razão de expressa vedação contratual.
Afirma, ainda, que se os CAS deixarem de funcionar a população é que será a grande prejudicada, haja vista o fato de que as vinte mil (20.000) consultas que, mensalmente, são realizadas nos CAS não mais o serão.
Por fim, afirma não ser fácil contratar médicos para atuarem na área de saúde municipal, tanto que no último concurso realizado, dos dezoito (18) médicos aprovados, apenas dois (2) aceitaram a nomeação.
É o relatório. Decido.
[...]
A Constituição Federal de 1988, após instituir, em seu art. 198, o Sistema Único de Saúde - SUS, a ser organizado mediante algumas diretrizes expressamente indicadas no texto constitucional - (a) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; (b) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e (c) participação da comunidade - e financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes - fato a demonstrar que o próprio poder público tem o dever de não só gerenciar o sistema como também executar as políticas e os serviços de saúde pública -, permitiu, em seu art. 199, § 1º, a participação no sistema único de saúde de entidades privadas, porém, de forma complementar, ou seja, a atividade principal deve ser diretamente exercida pelo Estado que poderá socorrer-se de entidades privadas para, havendo necessidade, complementar o atendimento à saúde da população. Essa conclusão decorre da leitura das normas contidas nos arts. 198 e 199 da Constituição Federal, verbis: (omissis)
José Afonso da Silva, em sua obra "Curso de Direito Constitucional Positivo", ao comentar a atuação do Estado e das entidades privadas no sistema único de saúde, afirma que, em regra, os serviços públicos de saúde devem ser prestados pelo Estado, cabendo à iniciativa privada, no que diz respeito ao sistema único de saúde, atividades complementares, verbis:
"O sistema único de saúde, integrado de uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de saúde, constitui o meio pelo qual o Poder Público cumpre seu dever na relação jurídica de saúde que tem no pólo ativo qualquer pessoa e comunidade, já que o direito à promoção e à proteção da saúde é também um direito coletivo. O sistema único de saúde implica ações e serviços federais, estaduais, distritais (DF) e municipais, regendo-se pelos princípios da descentralização, com direção única em cada esfera de governo, do atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, e da participação da comunidade, que confirma seu caráter de direito social pessoal, de um lado, e de direito social coletivo, de outro. É também por meio dele que o Poder Público desenvolve uma série de atividades de controle de substâncias de interesse para a saúde e outras destinadas ao aperfeiçoamento das prestações sanitárias. Responsável, pois, pelas ações e serviços de saúde é o Poder Público, falando a Constituição, neste caso, em ações e serviços públicos de saúde, para distinguir da assistência à saúde pela iniciativa privada, que ela também admite, e cujas instituições poderão participar complementarmente do sistema único de saúde, sendo vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. O § 3º do art. 199 contém uma regra praticamente inócua, ao vedar a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei; como a lei pode prever todos os casos, não há limitação alguma. Talvez não fosse mesmo o caso de proibir a participação de empresa ou de capitais estrangeiros, mas apenas a remessa de lucros provenientes de serviços de assistência à saúde." (in "Curso de Direito Constitucional", 11ª Edição, 1996, Editora Malheiros, pág.762).
No mesmo sentido é a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que foi citada tanto pelo autor como pelo réu, verbis:
[...]
Resta certo, assim, que, no âmbito do sistema único de saúde, os serviços devem ser prestados diretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo lícito que a iniciativa privada, mediante contrato de direito público ou convênio, participe do sistema único de saúde, desde que tal participação dê-se de forma complementar.
[...]

Dessa diretriz, afastou-se, de maneira frontal, a Lei municipal nº 4.275, de 2009, cuja inconstitucionalidade reconheço em caráter incidental e que permitiria à entidade ré a celebração de instrumentos que importassem trespasse das atividades-fim, não em caráter complementar, mas principal.
Não merece medrar, todavia, a pretensão ministerial no sentido de que no nosocômico somente prestem serviços funcionários públicos, pois que as atividades-meio (limpeza, fornecimento de alimentação, exames especializados) poderão ser contratadas com terceiros.
Nessa ordem de considerações, extingo o feito com resolução do mérito (Código de Processo Civil, artigo 269, inciso I) e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para condenar o MUNICÍPIO DE ITABIRA na obrigação de fazer, consistente na assunção da gestão e da execução dos serviços médicos a serem prestados no Hospital Carlos Chagas, destinando a totalidade dos atendimentos ao SUS, para o quê fixo-lhe o prazo de 06 (seis) meses, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser revertida em favor do Fundo de Interesses Difusos, facultada a contratação de atividade-meio, sempre mediante o devido processo licitatório.
E porque presentes os requisitos, defiro a antecipação de tutela anteriormente denegada.
Condeno o MUNICÍPIO DE ITABIRA nas custas do processo (isento) e na verba honorária que, atento ao quanto disposto no artigo 20, §4º do Código de Processo Civil, fixo em R$ 5.250,00 (cinco mil, duzentos e cinquenta reais), atento à complexidade das bem elaborada petições, ao expedito trâmite processual e à ausência de audiências.
Considerando o valor atribuído à causa, deixo de submeter o feito ao reexame necessário.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Itabira, 11 de outubro de 2011.

PEDRO CAMARA RAPOSO LOPES
Juiz de Direito cooperador

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