quinta-feira, 18 de junho de 2015

Sentença - Servidão Administrativa - Instituição por Particular - Acórdão

OBS.:  Esta sentença foi reformada por acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais cujo caminho eletrônico encontra-se ao pé desta publicaç:  




JUSTIÇA ESTADUAL DE 1ª INSTÂNCIA
COMARCA DE MARIANA
2ª VARA CÍVEL, CRIMINAL E DE EXECUÇÕES CRIMINAIS

AUTOS Nº :
0400.11.002362-1
Num. Única :
0313259-38.2008.8.13.0400
AUTOR :
SAMARCO MINERACAO S.A.
ADV. :
Drs. Joao Dacio De Souza Pereira Rolim, Juliano Magno Barbosa e Rodrigo Luiz Melo Franco Gomes De Almeida
RÉU :
ELZA MARÇAL PINTO E OUTROS
ADV. :
xxxxxxxxxxxxxxxxx
CLASSE :
Procedimento Ordinário
Assunto :
CIVIL > Coisas > Servidão
Juiz Prolator :
Pedro Camara Raposo-Lopes









S E N T E N Ç A






Na Comarca de Mariana, MG, SAMARCO MINERAÇÃO S.A. ajuizou, aos 03.JUN.2011, “ação de constituição de servidão” em face de ELZA MARÇAL PINTO, GIEZE FERREIRA PINTO, TARCÍSIO FERREIRA PINTO, VITOR MODESTO, GERALDO FERREIRA, PERPÉTUA DAS DORES FERREIRA DE OLIVEIRA, FRANCISCO PINTO FERREIRA, CONCEIÇÃO APARECIDA FERREIRA, EFIGÊNCIA LÚCIA FERREIRA, SEBASTIÃO FERREIR NETO e JORGINA FERREIRA, no bojo da qual pediu lhe fosse constituído por sentença o direito de servidão sobre 4,55 ha (quatro hectares e cinquenta e cinco ares) do imóvel denominado “Jambeiro”, localizado na Cidade de Mariana, MG, no distrito de Bandeirantes, com área total de 21,1750 ha (vinte e um hectares, dezessete ares e cinquenta centiares).
Como causa de pedir, aduziu haver sido editada a Resolução Autorizativa ANEEL nº 2.260, de 2010 por meio da qual restou autorizado à demandante o acesso, na qualidade de “consumidor livre”, à Rede Básica do Sistema Interligado Nacional – SIN, ao fito de permitir a ampliação e realização de melhorias em suas instalações denominadas “Unidade Germano”, visto que o sistema de distribuição da concessionária local já estaria atuando nos limites de sua capacidade operacional.
Corolário, fez o Executivo estadual baixar, aos 03.FEV.2011, o Decreto de Declaração de Utilidade Pública para fins de constituição de servidão de áreas necessárias à passagem de linha de transmissão de acesso à Rede Básica do Sistema Interligado Nacional – SIN em favor da demandante, a quem, pelo mesmo ato, foi delegada a promoção da constituição de servidão administrativa.
Informou que a faixa de servidão abrange vinte e sete imóveis e que será necessária a realização de obras ao longo.
Noticiou que as tratativas visando à instituição de servidão em relação aos corréus restaram baldadas.
Fundamentou seus pedidos no Decreto nº 38.851, de 1954 e no Decreto-lei nº 3.365, de 1941,
Informou que os agravos a serem suportados pelo imóvel serviente foram avaliados em R$ 28.980,00 (vinte e oito mil, novecentos e oitenta reais), valor esse atribuído à causa.
Com a petição inicial vieram os documentos de folhas 22-270.
Custas recolhidas à folha 272 e 221 (numeração equivocada).
Foi pedida a imissão na posse, tendo o magistrado que me antecedeu no feito deferido a imediata constituição da servidão, mediante depósito de quantia equivalente à avaliação administrativa.
Depósito judicial efetivado à folha 219, tendo sido expedido ofício para o registro imobiliário.
Regularmente citados, quedaram-se silentes os demandados.
A demandante requereu o julgamento do feito no estado em que se encontra.
É o RELATÓRIO do quanto necessário. Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
Não há nulidades a serem sanadas, tampouco lobrigo a existência de qualquer delas que deva ser conhecida de ofício.
Há, todavia, questão prévia que merece ser apreciada neste comenos.
Como sucintamente relatado, é a demandante pessoa jurídica de direito privado que se enquadra na categoria de “consumidor livre”, pretendendo instituir servidão administrativa ao viso de acessar e seccionar linhas do sistema de transmissão da concessionária de serviço público de transmissão de energia elétrica FURNAS – CENTRAIS ELÉTRICAS S.A., na forma do contrato de conexão ao sistema enganchado nestes autos às folhas 89-149.
Como é cediço, a competência, em matéria de desapropriação, triparte-se em: competência legislativa, competência declaratória e competência executória.
Interessa, para o desate da presente demanda, a chamada “competência executória”, consistente na legitimidade para promover os atos práticos tendentes a promover a incorporação do patrimônio privado ao erário, em se tratando de desapropriação, ou afetação de um bem privado serviente a um serviço dominante, em se tratando de servidão administrativa.
Peço vênia para transcrever preciosa ensinança do eminente publicista KIYOSHI HARADA (in Desapropriação: doutrina e pratica. - 7. ed. - São Paulo: Atlas, 2007, pp. 59-60), ipsissima verba, mas com supressões decorrentes da síntese:
[…] Podem figurar como sujeito ativo da desapropriação quaisquer entidades politicas componentes da Federação, isto é, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, que detêm o poder de desapropriar. Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público, também, podem expropriar, desde que expressamente autorizados por lei ou contrato […]
Importante frisar que poder expropriatório original só detêm as entidades políticas componentes da Federação. Tanto os concessionários de serviços públicos, como os estabelecimentos de caráter público, assim entendidas as pessoas jurídicas que exercem, por delegação, as atribuições do Poder Público, só podem desapropriar mediante autorização legislativa ou contratual. Em outras palavras, a entidade política competente concede ao concessionário ou delegado de Poder Público a faculdade de desapropriar os bens necessários ao desempenho de suas obrigações legais e contratuais, isto é, a execução do serviço público.” (original sem grifos)


Tal é a inteligência do artigo 3º do Decreto-Lei nº 3.365, de 1941, cuja redação encontra-se vazada nos seguintes termos:
Art. 3º Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato. (original sem grifos).


Na hipótese vertente, arrima-se a demandante no Decreto estadual s/nº, de 02 de fevereiro de 2011, o qual, deveras, em seu artigo 3º, autoriza a autora a “promover a constituição de servidão dos terrenos descritos no Anexo podendo, para efeito de imissão na posse, alegar a urgência de que trata o art. 15 do Decreto-Lei Federal nº 3.365, de 1941.”
Entretanto, a autorização mencionada no indigitado decreto não atende ao quanto disposto no Decreto-Lei nº 3.365, de 1941.
É que, em se tratando de servidão administrativa, caem por terra os conceitos civilísticos de “bem dominante” e “bem serviente”. Há, é verdade, sempre um bem serviente, mas “dominante” será, em toda e qualquer hipótese, um serviço público, como pontifica o nunca assaz lembrado RUY CIRNE LIMA, em lições que ainda guardam o viço original (Das servidões administrativas. In Revista de Direito Público, nº 5, jul/set 1968, p. 26.), verbatim:
[coisa dominante, na servidão administrativa] é “o serviço público, ou seja, a organização de pessoas e bens constituída para executá-la”, [sendo que] “a noção de serviço público não implica necessariamente a da propriedade de um imóvel, no qual a organização assente o seu funcionamento, e em favor do qual a servidão administrativa se constitua”.


Em se tratando de serviço público de energia elétrica, compete à UNIÃO a exploração direta ou mediante autorização, concessão ou permissão, ex vi do artigo 21, inciso XII, alínea “b” da Lex Legum.
Nem se diga ser a demandante autorizada de serviço público, porque tal categoria, de resto controversa na doutrina pátria, tem seus destinatários identificados no artigo 7º da Lei nº 9.074, de 1995, quem sejam os autoprodutores autorizados a operarem termelétricas de potência superior a 5.000 kW ou potenciais hidráulicos entre 1.000 kW a 10.000kW.
Tratando-se os concessionários, permissionários e autorizados de serviços públicos de energia elétrica os únicos aptos a figurar como delegatários da competência executória de instituição de servidões, submetem-se aos ditames da Resolução Normativa ANEEL nº 279, de 2007 sem prejuízo da necessária delegação legal ou contratual.
O caso sub examine é, repita-se, de particular consumidor livre de serviço de energia elétrica que não produz um único kW de energia elétrica, em relação a quem se aplicam tão somente os ditames do Decreto nº 5.597, de 2005 o qual regulamenta o acesso de consumidores livres às redes de transmissão de energia elétrica e cuja autorização nada tem a ver com autorização de serviço público, tratando-se de mero ato de consentimento mais condizente com o exercício da polícia administrativa.
Tampouco mostra-se aplicável à hipótese vertente o Decreto nº 35.851, de 1954, o qual abarca sob o seu guante normativo tão-somente os concessionários para o aproveitamento industrial das quedas d'água, ou, de modo geral, para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica.
Caberia exclusivamente a FURNAS – CENTRAIS ELÉTRICAS S.A., também interessada no contrato de conexão ao sistema de transmissão, a promoção da instituição de servidão administrativa, mediante ressarcimento de encargos, conforme disposto em contrato.
Nessa ordem de considerações, reconheço a ilegitimidade ativa da demandante e, por conseguinte, extingo o feito sem resolução do mérito, na forma do artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil brasileiro.
Condeno a demandante nas custas processuais. Deixo de condená-la em honorários advocatícios, à míngua de contraditório.
Revogo a liminar e, corolário, determino a expedição de mandado ao registro de imóveis, a fim de que se cancele o registro com base nela efetivado.
Expeça-se alvará de levantamento em prol da demandante, relativamente à quantia depositada à guisa de depósito prévio.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Mariana, 22 de janeiro de 2013


PEDRO CAMARA RAPOSO-LOPES


Juiz de Direito

Decisão - Liminar - Poder Normativo das Agências Reguladoras



CONCLUSÃO
Autos nº 0471.15.008134-0
Aos 08 de junho de 2015
Faço estes autos conclusos ao MM. Juiz de Direito

O Escrivão, ___________________




D E C I S Ã O I N T E R L O C U T Ó R I A






Vistos.


Na Comarca de Pará de Minas, MG, FARMÁCIA HOMEOPÁTICA MAFRA LTDA., nestes autos devidamente representada por ilustres advogados, impetrou, aos 03/06/2015, mandado de segurança contra ato apodado de ilegal/abusivo de poder praticado pelo Ilmº SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE, no bojo da qual pediu a concessão de medida liminar que determine à autoridade impetrada a abstenção da exigência de “retirada dos produtos manipulados, englobando o seu estoque mínimo, exposição e comercialização dos produtos homeopáticos com base no relatório do item VII da inspeção vigilância.”
Como causa de pedir, aduziu ser sociedade empresária que se dedica ao fabrico e comercialização de fármacos homeopáticos, na conformidade de seu objeto social, tal como descrito em seus atos constitutivos.
A despeito de possuir projeto aprovado para laboratório de manipulação de sólidos e semissólidos, alvará de localização, certidão de regularidade expedida pela entidade fiscalizadora profissional e laudo de controle de qualidade externo, agentes da fiscalização, a mando da digna autoridade coatora, determinaram a retirada de produtos manipulados expostos à venda, somente admitindo o estoque de bases galênicas e veículos para cápsulas.
Sustentou que o embasamento normativo da fiscalização de polícia, qual seja a Resolução ANVISA nº 67, de 2007, vai de encontro à legislação aplicável à matéria, mormente as Leis nºs 5.991, de 1973 e 6.360, de 1976, donde o direito certo e líquido a ser amparado na via do writ.
À causa de o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
Com a petição inicial, vieram os documentos de folhas 08-24.
As custas foram recolhidas à folha 25.
É o RELATÓRIO do quanto necessário. Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
A teor do artigo da Lei 12.016, de 2009, a suspensão do ato que deu motivo ao pedido poderá ser ordenada quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, o que equivale, na prática, aos tradicionais periculum in mora e fumus boni iuris.
Na hipótese vertente, evidente é o periculum in mora. Caso não sejam observadas as determinações constante em folha 20, poderá a impetrante se submeter a sanções de polícia, inclusive, no limite, apreensão dos medicamentos manipulados expostos à venda.
Quanto ao fumus boni iuris, sustenta a impetrante que as prescrições constantes na RDC ANVISA nº 67, de 2007, ao determinarem a vedação da exposição à venda de produtos manipulados e a manutenção de estoque mínimo apenas de bases galênicas e veículos para cápsulas, extrapolaram o poder normativo para estabelecerem, ex novo, restrições não condizentes com normas de estatura constitucional superior, notadamente as Leis nºs 5.991, de 1973 e 6.360, de 1976.
Ao dispor sobre as “Boas Práticas de Manipulação de Preparações Magistrais e Oficinais para Uso Humano em farmácias”, proscreveu o ato normativo objurgado, no subitem 5.14. do Anexo I, a exposição ao público de produtos manipulados com o objetivo de propaganda, publicidade ou promoção.
Já no subitem 10.1. do mesmo Anexo, autorizou a manutenção de estoque mínimo de preparações oficinais constantes no Formulário Nacional, devidamente identificadas e de bases galênicas, de acordo com as necessidades técnicas e gerenciais do estabelecimento.
Tais normas foram baixadas, como anotado, pela ANVISA, que é uma agência reguladora, a qual detém o poder regulamentar de proibir e normatizar atividades, exercendo o poder de polícia sanitária.
A respeito do poder normativo das chamadas 'agências reguladoras', vem a talho a seguintes preciosa ensinança doutrinária, ipsissima verba:

A agência reguladora independente é titular da competência regulatória setorial. Isso significa o poder de editar normas abstratas infralegais, adotar decisões discricionárias e compor conflitos num setor econômico. Esse setor pode abranger serviços públicos e (ou) atividades econômicas propriamente ditas.
E as decisões adotadas são vinculantes para diversos setores estatais e não estatais, ressalvada a revisão jurisdicional.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva. 2010. p.679).


Já no ano de 2009, o egrégio Superior Tribunal de Justiça enfrentou a delicada questão dos limites do Poder Normativo das Agências Reguladoras [como sói ser a ANVISA], ao apreciar as restrições impostas aos chamados TRR (Transportadores Revendedores Retalhistas no mercado de combustíveis). Confira-se, inter plures:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTADOR-REVENDEDOR-RETALHISTA (TRR). PORTARIA ANP 201/99. PROIBIÇÃO DO TRANSPORTE E REVENDA DE GLP, GASOLINA E ÁLCOOL COMBUSTÍVEL. EXERCÍCIO DO PODER NORMATIVO CONFERIDO ÀS AGÊNCIAS REGULADORAS. LEGALIDADE. 1. Ação objetivando a declaração de ilegalidade da Portaria ANP 201/99, que proíbe o Transportador-Revendedor-Retalhista - TRR - de transportar e revender gás liquefeito de petróleo - GLP-, gasolina e álcool combustível. 2. A Lei nº 9.478/97 instituiu a Agência Nacional do Petróleo - ANP -, incumbindo-a de promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis (art. 8º). 3. Também constitui atribuição da ANP, nos termos do art. 56, caput e parágrafo único, do mesmo diploma legal, baixar normas sobre a habilitação dos interessados em efetuar qualquer modalidade de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, estabelecendo as condições para a autorização e para a transferência de sua titularidade, observado o atendimento aos requisitos de proteção ambiental e segurança de tráfego. 4. No exercício dessa prerrogativa, a ANP editou a Portaria 201/99 (atualmente revogada pela Resolução ANP 8/2007), proibindo o Transportador-Revendedor-Retalhista - TRR - de transportar e revender gás liquefeito de petróleo - GLP-, gasolina e álcool combustível. O ato acoimado de ilegal foi praticado nos limites da atribuição conferida à ANP, de baixar normas relativas ao armazenamento, transporte e revenda de combustíveis, nos moldes da Lei nº 9.478/97. 5. "Ao contrário do que alguns advogam, trata-se do exercício de função administrativa, e não legislativa, ainda que seja genérica sua carga de aplicabilidade. Não há total inovação na ordem jurídica com a edição dos atos regulatórios das agências. Na verdade, foram as próprias Leis disciplinadoras da regulação que, como visto, transferiram alguns vetores, de ordem técnica, para normatização pelas entidades especiais. " (Carvalho FILHO, José dos Santos. "O Poder Normativo das Agências Reguladoras" / Alexandre Santos de Aragão, coordenador - Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, págs. 81-85). 6. Recurso Especial provido, para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, com a consequente inversão dos ônus sucumbenciais. (STJ; REsp 1.101.040; Proc. 2008/0237401-7; PR; Primeira Turma; Relª Minª Denise Martins Arruda; Julg. 16/06/2009; DJE 05/08/2009)


Em sede doutrinária, na mesma obra coletiva organizada pelo Prof. ALEXANDRE DOS SANTOS ARAGÃO, sabidamente a maior autoridade no tema, assim preleciona ex professo GIONI R. LOSS (op.cit., p. 127)


Os atos regulatórios criados pelas agências devem ter natureza de regula- mentos administrativos, visto que são considerados manifestações da função ad- ministrativa do Estado. Nesse diapasão, é inquestionável a necessidade de previ- são legal ou regulamentar de todos e quaisquer atos administrativos de autoria das agências, restando, portanto, apenas duas possíveis relações de legalidade envolvendo o poder regulatório nesse caso, que seriam a (i) sujeição total ou a (ii) sujeição especial.

No caso de sujeição total à lei, o ato regulatório consta de previsão legal, sendo a supremacia da lei limite da atividade regulatória, não podendo haver modificação, inovação, suspensão, supressão ou revogação da forma do ato regulatório pela agência, restando ao regulador atuar nos estritos termos da previsão legal estabelecida.

Em se tratando de
sujeição especial, por sua vez, temos a flexibilização, mas não a supressão, do princípio da legalidade. Isso significa dizer que, nesse caso, a lei deverá prever cláusulas gerais, atribuindo competências às agências reguladoras e estabelecendo limites à sua atuação.

Existindo atribuição legal e nos estritos limites dessa atribuição, cabe às agên- cias, por meio do indispensável ato regulamentar, estabelecer o conteúdo de seu poder regulatório aplicável ao caso específico, para que assim possa limitar a liberdade de iniciativa, em face da necessidade de intervenção estatal.

Faz-se imprescindível, por conseguinte, ainda que dado setor esteja no âmbito de abrangência da regulação setorial, e que certa
medida possa ser considerada proporcional ao fim desejado, que exista previsão legal ou regulamentar prévia específica acerca do instrumento regulatório a ser utilizado, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Nesse caso, portanto, a legalidade aparece claramente como terceiro pilar limitador da atividade regulatória, acompanhando a subsidiariedade e a proporcionalidade, importando excesso do regulador afastar quaisquer desses princípios limitadores.


Nesse eito, a Lei nº 9.872, de 1999, em seu artigo 8º, dotou a ANVISA de competência para expedir atos normativos tendentes a regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, a exemplo dos medicamentos.
As funções então cometidas ao Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia, extinto em 1976, e à Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, extinta em 1998, passaram a ser executadas pela ANVISA, cujo poder normativo haure sua força na Lei nº 9.872, de 1999.
No âmbito da competência normativa, deve-se observar que não poderia o legislador antever todos os aspectos das atividades econômicas socialmente relevantes e que, por isso, submetem-se à regulação, até por conta das constantes e desejáveis evoluções técnicas nesses setores, a demandarem novos padrões (standards) normativos que visem, dentre outros anelos, a salvaguardar os interesses dos consumidores. A natureza de tais atividades, porque dominadas por critérios técnicos impossíveis de serem catalogados, ex ante, em ato de estatura formalmente legal, permitem a edição de normas com baixa densidade normativa [estabelecimento de finalidades e parâmetros].

Em tese de doutoramento, o já mencionado luminar fluminense ALEXANDRE DOS SANTOS ARAGÃO1 assim pontifica, verbatim, com grifos por mim adicionados:

As leis instituidoras das agências reguladoras integram, destarte, a categoria das leis-quadro (lois-cadre) ou standartizadas, próprias das matérias de particular complexidade técnica e dos setores suscetíveis a constantes mudanças econômicas e tecnológicas.

Podemos ver, com efeito, que, apesar da maior ou menor magnitude de poder normativo legalmente outorgado nas suas esferas de atuação,
todas as agências reguladoras – umas mais e outras menos – possuem competências normativas calcadas em standards, ou seja, em palavras dotadas de baixa densidade normativa, às vezes meramente habilitadoras, devendo exercer estas competências na busca da realização das finalidades públicas – também genéricas – fixadas nas suas respectivas leis.

As leis com estas características não dão maiores elementos pelos quais o administrador deva pautar a sua atuação concreta ou regulamentar, referindo-se genericamente a valores morais, políticos e econômicos existentes no seio da sociedade (saúde pública, utilidade pública, suprimento do mercado interno,
boas práticas da indústria, competição no mercado, preços abusivos, continuidade dos serviços públicos, regionalização, etc.). Assim, confere à Administração Pública um grande poder de integração do conteúdo da vontade do legislador, dentro dos quadros por ele estabelecidos.


Repontando-se para a espécie, as limitações invectivadas, a um primeiro súbito de vista, não colidem com nenhum comando dos diplomas legais veiculados na década de setenta do século passado.
Segundo a já mencionada lição de GIONI R. LOSS, atendidas a sujeição total (previsão legal do ato normativo infralegal) e sujeição especial (adstrição aos limites gizados na legislação autorizadora), o que resta perquirir é a proporcionalidade da medida adotada. Nesse aspecto, a exigência de não exposição de medicamentos manipulados à venda e a limitação de estoques mínimos situa-se na zona de discricionariedade técnica da norma e, por isso, insuscetível de análise na via angusta do mandamus, por carecer de prova pré-constituída.
A despeito de tudo o que foi dito, entendo que a determinação da autoridade coatora, no sentido de permitir apenas estoque de “bases galênicas e veículos para cápsulas”, é ainda mais restritiva do que a que se refere a RDC ANVISA nº 67, de 2007, devendo ser permitida a manutenção de estoque mínimo de preparações oficinais constantes do Formulário Nacional, desde que devidamente identificadas.
Nessa ordem de considerações, DEFIRO PARCIALMENTE A LIMINAR, tão-somente para permitir a manutenção de estoque mínimo de preparações oficinais constantes do Formulário Nacional, bem assim de bases galênicas e veículos para cápsulas.
Intime-se a autoridade coatora do conteúdo desta decisão.
Oficie-se à Procuradoria-Geral do Município, a fim de que, querendo, ingresse no feito, enviando-lhe cópia da inicial, sem documentos
Notifique-se a autoridade coatora do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações.
Findo o decêndio, abra-se vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, a fim de que apresente parecer, no prazo legal de 10 (dez) dias.
Com ou sem parecer, venham os autos conclusos para sentença.
Intime-se (Dje).
Cumpra-se.
Mariana, 15 de junho de 2015.


PEDRO CAMARA RAPOSO-LOPES
Juiz de Direito

RECEBIMENTO

Aos ___ de _______de 2015
Recebi estes autos

O Escrivão, ___________________



1ARAGÃO., Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico, 3ª edição. Forense, 2013, p. 441