Há
uma tendência natural de as pessoas procurarem encaixotar seus
semelhantes dentro em (sim, a construção está certa) estereótipos, em
categorias estanques, formatando seres humanos à força de seu 'status',
de sua profissão, de seu gênero. Pessoas 'diferentes' dos estereótipos
seriam, para parafrasear o nome da hora,
o prof. Luis Roberto Barros (quando se referiu ao julgamento do
epitetado 'Mensalão'), um 'ponto fora da curva'. Das duas uma: ou a
curva vai até o ponto ou o ponto vai até a curva. Lamentavelmente, a
sociedade (a curva) sempre acaba vencendo, e os pontinhos, pobres
coitados, são obrigados a aceitarem-se dentro nas (sim, a construção
está certa) curvas eleitas pela maioria da hora. Com isso, ganham os
psicanalistas, com uma fila de espera de pontinhos para serem
analisados. Por exemplo: comediantes devem ser, na vida privada,
engraçados. Lembro do falecido Costinha, que costumava dizer que não
podia frequentar velório porque todos começavam a rir. Quem conheceu
Dercy Gonçalves (e eu a conheci) pode testemunhar a educação rigorosa
que ministrou à sua filha e aos seus netos. Neste caso, Dercy seria um
'ponto fora da curva', pois que dela esperável uma educação, digamos,
libertina. Mas, para ela, pouco importava. Certamente diria um sonoro
'f...-se' e tudo bem. Quando eu fazia curso para ingresso na carreira da
magistratura, após a aprovação em concurso público, a maioria dos meus
colegas (rapaziada com menos 'experiência acumulada'), acreditava
sinceramente que "um juiz não pode, na vida privada, em sua Comarca,
agir como um 'ser humano normal'". Um juiz deve ser sisudo, exalar
austeridade. E tal postura é acicatada por muitos superiores, temerosos
de que as aparências possam arranhar a boa imagem da magistratura
nacional. Quem me conhece, sabe da minha experiência em Brasília, como
Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional, quando pude testemunhar: a
maioria dos malversadores da coisa pública são de uma sisudez acima de
qualquer suspeita. É o broquel de que se servem para perpetuar suas
safadezas. Na minha vida profissional como magistrado, são os advogados e
as partes meus julgadores. Em 15 (quinze) anos de vida pública, posso
dizer que minha atuação e decisões podem ter desagradados a muitos, por
haverem contrariado interesses, mas certamente guiadas pelo sincero e
imparcial espírito público. Meus erros são passíveis de correção na via
do recurso. Não tenho nenhum problema com recursos. Aprendo com eles.
Recuso-me, entretanto, à sisudez. Acredito que um juiz deve interagir
com a comunidade que o acolhe; que deve almoçar nos mesmos restaurantes;
beber (de forma comedida, como convém a qualquer profissional) uma
cervejinha; jogar conversa fora. Nada disso compromete imparcialidade e
acho mesmo que é um reclamo da moderna magistratura. Longe de arranhar a
imagem institucional (que, convenhamos, não precisa de ninguém para
ajudá-la nessa missão). A Providência quis que, nas quatro Comarcas
pelas quais passei, eu, carioca de nascença e por essência, fosse
agraciado cidadão honorário em duas cidades (Tarumirim e Engenheiro
Caldas) e homenageado com Moção de Aplauso em uma delas (inciativa de Alzira Ventura,
a quem nunca tive oportunidade de agradecer formalmente), e ser
laureado com a mais alta comenda da Polícia Militar mineira. Sou infenso
à sisudez e amigo da espontaneidade. Comporto-me na vida privada como
cidadão cumpridor de seus deveres públicos e privados, como contribuinte
e pai de duas crianças (que muito se divertem com o pai brincalhão).
Nada disso atrapalha a minha imparcialidade, o meu amor à minha
profissão, o meu respeito à toga que envergo e a atenção que dedico a
cada processo que pousa sobre a minha mesa. Mas concedo-me a vênia de
ser, em essência, eu mesmo. (Lembro-me de frase constante do prefácio de
sua "Iniciação ao estudo do direito processual civil", de 1973, em
que o prof. fluminense Sérgio Bermudes já advertia: 'não confundir
sisudez com seriedade'). Passível de erros, como todo ser humano, mas
forjado pela experiência de uma meia-idade muito bem vivida, e de uma já
longeva vida pública. Tarde demais para mudar. Um ponto fora da curva,
talvez. Mas, agora, parafraseando Machado de Assis e rendendo homenagem a
Dercy, permito-me dizer: Quem gostar, meus agradecimentos; quem não
gostar, um piparote e adeus.
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