quarta-feira, 8 de agosto de 2012

SENTENÇA - BUSCA E APREENSÃO - VENCIMENTO ANTECIPADO - PURGA DA MORA - MULTA





JUSTIÇA ESTADUAL DE 1ª INSTÂNCIA

COMARCA DE MARIANA
2ª VARA CÍVEL, CRIMINAL E DE EXECUÇÕES CRIMINAIS

AUTOS Nº     :
0400.10.XXXXXXX
Num. Única   :
XXXXXXXX-95.2010.8.13.0400
AUTOR          :
BANCO BRADESCO S/A
ADV.             :
Dr. XXXXXXXXX
RÉU               :
XXXXXXXXXXXXXXXX
ADV.             :
Drs.XXXXXXXXXXXX
CLASSE       :
Busca e Apreensão em Alienação Fiduciária
Assunto          :
PROCESSUAL CIVIL > Medida Cautelar > Liminar
Juiz Prolator :
Pedro Camara Raposo-Lopes






S E N T E N Ç A







Na Comarca de Mariana, Estado de Minas Gerais, BANCO XXXXXXXXX ajuizou, aos 03.MAI.2010, demanda sob procedimento especial de jurisdição contenciosa (‘ação de busca e apreensão’) em face de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX em que pediu fosse decretada a resolução judicial de contrato de abertura de crédito que celebrou com a demandada, bem assim a consolidação, em seu nome, da posse e da propriedade do bem gravado com alienação fiduciária.
Como causa de pedir, aduziu haver celebrado com a ré, aos 19.JUN.2008, contrato de abertura de crédito ao viso de que esta adquirisse o veículo motocicleta YAMAHA, MODELO XTZ 125 XE, ano de fabricação 2008, placa HGN 1192, chassi 9C6KE10608000686, mediante a concessão de mútuo feneratício da quantia de R$ 8.900,00 (oito mil e novecentos reais), a ser quitado em trinta e seis prestações mensais e sucessivas de R$ 368,52 (trezentos e sessenta e oito reais e cinquenta e dois centavos), vencida a primeira aos 19.JUL.2008 e as demais nos mesmos dias dos meses subsequentes.
Tendo caído em inadimplência a demandada a partir da décima nona prestação, pediu a concessão de medida liminar.
À causa atribuiu o valor de R$ 13.266,72 (treze mil, duzentos e vinte e seis reais e setenta e dois centavos), trazendo à colação os documentos de folhas 05-18.
Custas recolhidas (folha 19).
Pela respeitável decisão de folha 21, restou deferida a medida liminar vindicada, logrando-se êxito na apreensão do veículo automotor, consoante dá conta a certidão de fólio 25, que é datada de 13.MAI.2010.
Por petição protocolada aos 19.MAI.2010, a demanda compareceu espontaneamente aos autos pugnando pelo depósito judicial da totalidade crédito (parcelas vencidas e vincendas), porquanto baldadas as tentativas de quitar o débito diretamente perante a credora, o que restou deferido, tendo sido juntado aos autos, no mesmo dia, a guia comprobatória do depósito.  Pediu também a imediata restituição do bem apreendido.
Às folhas 34-41, a demandada apresentou resposta na modalidade de contestação em que confessou a mora e sustentou a imprescindibilidade do bem para o desenvolvimento de suas atividades empresariais, haja vista seu objeto social.  Demais disso, o valor cobrado não contemplou a prerrogativa legal da liquidação antecipada do débito, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos, consoante norma do artigo 52, §2º da Lei nº 8.078, de 1990, daí o pedido contraposto de repetição do indébito.  Requereu as benesses da Assistência Judiciária Gratuita, de que trata a Lei nº 1.060, de 1950 e juntou os documentos que vão às folhas 42-48.
Pela respeitável decisão de folha 50, o modelar magistrado que me antecedeu no feito determinou à autora a devolução do bem apreendido, fixando-lhe multa diária de R$ 300,00 (trezentos reais).
Por meio da petição de folhas 51-52, a demandante manifestou sua concordância quanto ao valor depositado em juízo e também que a demandada teria asserido, em contatos fora dos autos, sua intenção de não mais recobrar a posse do bem, o que foi acremente redarguido pela demandada, pela petição de folhas 54-55.
A despeito do depósito do montante integral da dívida, informou a demandante, pela petição de folhas 56-60, que promovera a alienação do bem em leilão, donde impossível a restituição pretendida pela ré.
Por petição datada de 05.JUL.2011 (folhas 87-88), a demandada requereu o levantamento parcial do depósito judicial, em montante equivalente ao valor da multa já vencida até aquela data, mais o valor do bem alienado.
Atendendo ao despacho de folha 90, apresentou a demandada planilha contendo cálculo da multa vencida até o mês de outubro de 2011.
É o RELATÓRIO do quanto necessário.  Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
Não há nulidades a serem sanadas ou a serem reconhecidas de ofício.  Encontram-se presentes os pressupostos processuais e condições para o legítimo exercício do direito de ação, razão pela qual passo, súbito, ao mérito.
Cuida-se, como sumariado, de ação de busca e apreensão de que trata o Decreto-lei nº 911, de 1969 promovida pela credora fiduciária, no curso da qual efetivou a demandada, a tempo e modo, o depósito do montante integral da dívida (parcelas vencidas e vincendas).  Nada obstante, alienou a a autora o bem que garantia a dívida.
A conduta da ré, em que pese aos argumentos lançados na petição de folhas 56-60, ao empalmar o bem, malgrado a purga da mora, merece enfática exprobração, pois é de lei que deveria havê-lo restituído livre e desembargado à demandada, consoante diáfana dicção do parágrafo segundo do artigo 3º do aludido diploma legal.
Tal negaça ganha contornos mais deletérios quando se tem em mira o objeto social da demandada, qual seja a formação de condutores, e a constatação de que o bem foi levado a leilão somente no mês de agosto de 2010, i.é, três meses após a purga da mora, denotando pouco apreço com a consumidora de seus serviços ou, no mínimo, lamentável falha de comunicação.
Pois bem.  Repontando-se para a hipótese sub examine, verifico que não há controvérsias a serem dirimidas e por isso o feito comporta julgamento conforme o seu estado.
A despeito de intensa dissensão jurisprudencial, o certo é que a alteração propiciada pela Lei nº 10.931, de 2004 ao parágrafo segundo do artigo 3º do Decreto-lei nº 911, de 1969, a meu aviso, deixa clara a mens legis no sentido de que o depósito elisivo da mora é o da “integralidade da dívida pendente”, i.é, parcelas vencidas e vincendas.
Com efeito, com o contrato de mútuo, assume o devedor de logo o débito, podendo solvê-lo na conformidade do pactuado.  O vencimento antecipado, previsto contratualmente, torna a dívida, antes certa e líquida, imediatamente exigível relativamente às parcelas futuras, donde a necessidade do depósito não só das parcelas vencidas, mas também das vincendas.
Todavia, o vencimento antecipado não pode emascular os direitos concedidos pela tessitura normativa ao consumidor, constantes sobretudo da Lei nº 8.078, de 1990.  Tal intelecção da Lei nº 10.931, que é de 2004, afrontaria o “princípio da vedação ao retrocesso” que contamina todos os direitos fundamentais constantes da Lex Legum.  É dizer: o vencimento antecipado deve ocasionar as consequências previstas no artigo 52, §2º do Estatuto Consumerista, ensejando a redução proporcional dos juros e dos encargos contratuais.
Ergo, tenho por corretos os valores constantes da planilha de cálculos de folha 43, porque toma em consideração, como data-base do “valor presente” da dívida a ser considerado, o dia em que efetivado o depósito judicial, respeitando o prazo limite concedido para a quitação, consoante contratualmente pactuado.  Tal valor deve ser corrigido segundo os índices divulgados pela Corregedoria-Geral de Justiça até o efetivo pagamento, dele se subtraindo o valor da alienação de folha 62, também devidamente atualizado, na conformidade dos mesmos índices. 
Como a “ação de busca e apreensão” tem por objeto mediato a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva do bem em mãos do credor, evidente que o depósito purgador da mora conduz inexoravelmente ao decreto de improcedência do pedido.
E mais: tendo a demandante alienado o bem extrajudicialmente, fiando-se em liminar de caráter temporário, máxime depois de haver sido purgada a mora, deve ser condenada na multa a que se refere o artigo 3º, §6º do Decreto-lei nº 911, de 1969, sem prejuízo das astreintes fixadas, cuja função coercitiva não se confunde com a função punitiva envergada pela multa.
Confira-se o seguinte precioso aresto, emanado da egrégia Corte catarinense, ipsissima verba, mas sem os grifos constantes do original:
APELAÇÃO CÍVEL. Ação de busca e apreensão fundamentada no Decreto-Lei nº 911/69. Julgamento de improcedência do pedido exordial. Irresignação da requerente. Alegada comprovação da mora. Inocorrência. Revisão das cláusulas contratuais no âmbito da defesa. Possibilidade. Incidência do art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor. Cópia de contrato ilegível. Peça necessária para apuração de eventuais encargos abusivos. Mora descaracterizada. Bem alienado extrajudicialmente a terceiro. Aplicação da multa prevista no § 6º do art. 3º do Decreto-Lei n. 911/69, tendo em vista a credora fiduciária assumir o risco de, com base em decisão liminar, promover a venda extrajudicial do bem alienado em fiduccia e, ulteriormente, ter naufragada a lide de retomada do veículo ofertado em garantia contratual. Liminar que possui o caráter de provisoriedade, cuja sorte externada em decisão definitiva a substitui. Inviabilidade de se retornar ao status quo ante, porquanto o banco já alienou o veículo a terceiro, que autoriza a incidência da sanção cominada no § 6º do art. 3º do Decreto-Lei n. 911/69. Rebeldia desprovida. (TJSC; AC 2012.046719-7; Itajaí; Quarta Câmara de Direito Comercial; Rel. Des. José Carlos Carstens Kohler; Julg. 24/07/2012; DJSC 27/07/2012; Pág. 200)

Vem do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. PURGAÇÃO DA MORA. RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO. IMPOSSIBILIDADE. ALIENAÇÃO DO VEÍCULO EM HASTA PÚBLICA. LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO PELO DEVEDOR DO FINANCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. MULTA. ARTIGO 3º, §6º, DO DECRETO-LEI Nº 911/69. PERDAS E DANOS. AÇÃO PRÓPRIA. ARTIGO 3º, §7º, DO DECRETO –LEI Nº 911/69. SENTENÇA REFORMADA. Em havendo a purgação da mora e tendo o credor fiduciário alienado o veículo objeto da ação de busca e apreensão em hasta pública, impossível a restituição do bem, devendo ocorrer a resolução do contrato. -Sendo julgada improcedente a ação de busca e apreensão ante a impossibilidade de conservação do contrato de alienação fiduciária, pois alienado o bem pelo credor fiduciário, imperiosa a aplicação da multa prevista no artigo 3º, §6º, do Decreto-Lei nº 911/69, sem prejuízo da responsabilidade do credor por eventuais perdas e danos sofridos pelo devedor. (TJMG; APCV 0371003-50.2011.8.13.0702; Décima Primeira Câmara Cível; Relª Desª Selma Marques; DJEMG 20/06/2012)

As astreintes fixadas, todavia, devem ser decotadas para evitar o indevido locupletamento por parte da demandada, pois, conquanto fixadas em patamar razoável, a impossibilidade do cumprimento da obrigação in specie e o delongado período de tempo torná-las-iam assaz onerosas, sobretudo porque, quando fixadas, já tinham perdido a sua função cominatória, por força da precipitada alienação.
Ergo, forte no artigo 461, §6º do Código de Processo Civil brasileiro, estabeleço como período de incidência da multa aquele que mediou os dias 29.AGO.2010 e 10.SET.2010, dia esse em que a parte demandante noticiou em juízo a venda que já havia sido realizada.  O valor da multa, todavia, deve ser atualizado até a presente data (R$ 363, 38 – trezentos e sessenta e três reais e trinta e oito centavos).
A multa punitiva aplicada ex vi legis e a multa cominatória não afastam a demonstração, na via própria, de eventuais agravos suportados pela demandada.
Os honorários devem ser tributados à demandada, pois que, com a sua inconteste mora, deu causa ao ajuizamento.  Nesse sentido, verbatim:
CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO DE VEÍCULO. PURGAÇÃO DA MORA. RESTITUIÇÃO DO BEM COM AVARIAS. PLEITO DO RÉU/DEVEDOR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PARTE AUTORA. SETENÇA. ACOLHIMENTO DO REQUERIMENTO. CONVERSÃO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM PERDAS E DANOS, A DESPEITO DO RECONHECIMENTO DO PEDIDO INICIAL ANTE À PURGA DA MORA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 01) Viola os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal a parcela da sentença que converteu em perdas e danos os prejuízos alegados pelo réu, decorrentes de avarias no veículos restituído em razão da purgação da mora, sem ouvir a parte adversa e a despeito de, no mesmo ato judicial, ter sido homologado o reconhecimento da procedência do pedido inicial. 02) O pleito de indenização por danos materiais requerido pelo réu, em face da avariais ocorridas no veículo restituído, deve ser objeto de ação própria, não sendo cabível o seu processamento no bojo da ação de busca e apreensão por inadimplemento do contrato de alienação fiduciária, cuja sentença homologou o reconhecimento do pedido ante à purgação da mora. 03) A multa diária é devida pelo autor em razão de descumprimento reiterado de ordem judicial de entrega do veículo ao devedor fiduciário ante à purga da mora. 04) Deve ser respeitado o princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu motivo ao ajuizamento da demanda deve arcar com os ônus sucumbenciais. (TJAP; APL 0027068-78.2011.8.03.0001; Câmara Única; Rel. Juiz Conv. Mario Mazurek; Julg. 17/07/2012; DJEAP 23/07/2012; Pág. 20)

Quanto às benesses da Assistência Judiciária Gratuita, de que trata a Lei nº 1.060, de 1950, pleiteada com a resposta, indefiro-as, pois que, em se tratando de pessoa jurídica com fins lucrativos, caber-lhe-ia a demonstração de estar enfrentando especial situação de débâcle financeira, de modo que o pagamento das despesas processuais pudesse comprometer a sua atividade empresária.
Nessa ordem de considerações, extingo o feito com resolução do mérito (Código de Processo Civil brasileiro, artigo 269, inciso I) e julgo IMPROCEDENTE o pedido, condenando, todavia, a demandante no pagamento da quantia total de R$ 9.840,00 (nove mil oitocentos e quarenta reais), sendo R$ 5.480,00 (cinco mil quatrocentos e oitenta reais) à guisa de multa punitiva (metade do valor financiado devidamente atualizado a dinheiros de hoje) e R$ 4.360,00 (quatro mil trezentos e sessenta reais) a título de astreintes (doze dias de multa, consoante fundamentação).  Tal quantia deverá ser corrigida monetariamente segundo os índices divulgados pela Corregedoria-Geral de Justiça e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, tudo contado da publicação desta sentença.
Condeno a demandada no pagamento das custas processuais e na verba honorária que, atento à singeleza da demanda, ao longo tramitar do feito e à ausência de audiências, fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).
Transitada em julgado a presente sentença, oficie-se ao Banco do Brasil S.A., a fim de que informe o saldo da conta em que efetivado o depósito judicial pela parte ré.  Desse valor deverá ser subtraído o montante do quanto devido à demandante, nos termos da fundamentação supra (valor do crédito tal como apurado pela demandada à folha 43 menos o valor de venda do veículo, tudo corrigido) e, havendo saldo favorável a qualquer das partes, levantado mediante alvará, sem prejuízo do cumprimento de sentença pelo remanescente.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Mariana, 08 de agosto de 2012



PEDRO CAMARA RAPOSO LOPES

Juiz de Direito

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