terça-feira, 19 de julho de 2011

Decisão - Ação Civil Pública - Infância e Juventude - CMDCA


CONCLUSÃO
Autos nº 0317.11.011255-2
Aos 07 de julho de 2010
Faço estes autos conclusos ao MM. Juiz de Direito

O Escrivão, ___________________
 

Vistos etc.
Cuida-se de “ação civil pública” que o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pela pena da culta Promotora de Justiça Drª NIDIANE MORAES SILVANO DE ANDRADE, ajuizou em face de LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR, CENTRO ESPORTIVO E FORMAÇÃO DE ATLETAS e MUNICÍPIO DE ITABIRA, no bojo do qual veicula requerimento de medida liminar.
Como causa de pedir, aduziu haver sido instaurado inquérito civil público colimando averiguar possível atuação irregular de entidades não registradas perante o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (doravante CMDCA), que estariam a receber repasses da municipalidade ré.
Informou que a corré LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR protocolizou, junto ao MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, documento no qual se dizia alforriada do dever de pleitear registro junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, ao passo em que exigia da municipalidade ré a continuidade dos repasses, o que foi alvo de ampla divulgação no noticiário local.
Demais disso, a ré LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR, no indigitado documento, confessou não possuir “a mínima condição de oferecer instalações físicas adequadas em condições de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança.”, condições essas indispensáveis ao registro junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Noticiou o Parquet ainda que, visando a burlar o dispositivo legal, a municipalidade ré celebrou com o CENTRO ESPORTIVO E FORMAÇÃO DE ATLETAS parceria para a execução de projeto que prevê o repasse de R$ 193.223,52 (cento e noventa e três mil, duzentos e vinte e três reais e cinquenta e dois centavos), cujo único objetivo seria o de transferir, de maneira oblíqua, os recursos para que a LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR iniciasse o campeonato de futebol amador.
É o RELATÓRIO do quanto necessário.  Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
O MUNICÍPIO DE ITABIRA celebrou, aos 22.JUN.2011, “Termo de Parceria” com o CENTRO ESPORTIVO E FORMAÇÃO DE ATLETAS com o objetivo de conceder e repassar numerário para a execução do Projeto “Futebol Alegria do Povo”, visando a dar “sustentabilidade aos clubes filiados a  LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR – LIFA na realização do campeonato amador nas categorias pré-mirim, mirim, infantil, juvenil, júnior, adulto e master” (folha 16).
Ao que tudo indica, o CENTRO ESPORTIVO E FORMAÇÃO DE ATLETAS é mera entidade intermediária de repasse dos recursos públicos que serão transferidos à LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR, destinatária final, como de resto não esconde o aludido “Termo de Parceria”.
Cumpre-me, pois, neste momento ainda embrionário da demanda, perquirir se a pretensão ministerial encontra esteio em boa razão, ou seja, se a  LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR encontra-se obrigada ou não a proceder ao seu prévio registro junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, a teor do que dispõem os artigos 90 e 91 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 1990), como condição necessária para os repasses que serão efetivados.
É que, em sendo positiva a resposta, parece-me bastante razoável a tese ministerial segundo a qual não se poderia na via oblíqua obter aquilo que se veda na via direta e, a fortiori, o repasse à LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR poderia, sim, caracterizar estratagema dirigido à burla da exigência legal.
Naturalmente que tal investigação somente faz-se relevante na medida em que se encontrem envolvidos os interesses de crianças e de adolescentes, o que é o caso, como se pode haurir na ementa do “Termo de Parceria nº 002, de 2011”.
A meu aviso, uma leitura apressada do artigo 90 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 1990) tenderia a submeter, sob o seu guante normativo, tão-somente as entidades destinadas ao planejamento e execução de programas de proteção e socioeducativos a que se referem os artigos 98 e 112 da Lei e, neste último caso, somente às medidas em meio aberto, liberdade assistida, semiliberdade e internação.
Assim, todavia, não me parece.
Note-se que a redação do inciso II do artigo 90 do aludido diploma legal alude a “apoio” socioeducativo, substantivo que, em nenhum momento, foi utilizado pelo legislador estatutário para designar as medidas referidas no artigo 112.
De outra parte, há um inciso do artigo 90 especialmente destinado à medida socioeducativa de “liberdade assistida”, que é, como cediço, medida em meio aberto.
Não contendo a lei palavras inúteis, quer-me parecer que o legislador não se houve com o necessário apuro técnico ao mencionar “apoio socioeducativo”, merecendo a expressão interpretação extensiva, pois minus dixit quam voluit.
Em interpretação extensiva, deve a expressão ser lida como “apoio social e educativo” em meio aberto, para abarcar não somente os adolescentes em conflito com a lei, mas também as crianças e os adolescentes que usufruam de programas  paraescolares ou parafamiliares tendentes a suprir carências eventuais ou permanentes em áreas como nutrição, educação, saúde, trabalho, esporte, arte etc.
No sentido do que aqui vai, cai a lanço trecho do trabalho de CLEBER LIZARDO DE ASSIS, verbatim[1]:
A Definição do Atendimento Sócioeducativo em meio aberto
O Estatuto da Criança e do Adolescente menciona e fornece diretrizes para o seu funcionamento, mas não define o que vem a ser “atendimento socioeducativo em meio aberto”, gerando, inclusive, problemas de interpretação e/ou reduções conceituais.
Uma dessas reduções refere-se à modalidade como um dispositivo de atendimento a crianças e adolescentes em conflito com a lei e com prática de ato infracional, perdendo seu caráter de prevenção.
Essa modalidade de atendimento pode ser compreendida, no entanto, como as diversas modalidades de serviços sociais e/ou educativos à criança e ao adolescente, oferecidos de forma aberta (em oposição à internação e abrigo) em horário complementar à escola.
Importante destacar que essa modalidade vem se configurando estrategicamente como espaço da sociedade civil organizada, ao contribuir para uma educação integral de crianças e adolescentes em espaços diversos, de forma complementar a escola e à família, sem subtraí-las ou substituí-las.
Esses programas e serviços possuem caráter preventivo ao uso de drogas e envolvimento com atos infracionais, combatendo a ociosidade. Há um destaque no oferecimento de apoio escolar genérico, atividades de esporte e recreação, artísticas e culturais, espiritualidade, saúde, cidadania e outras.

Parece-me que o desporto educacional, a que se refere o artigo 3º da Lei nº 9.615, de 1998, enquadra-se dentro no conceito de “apoio socioeducativo em meio aberto” para todos os fins legais, razão pela qual a LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR, entidade integrante do Sistema Nacional do Desporto (Lei nº 9.615, de 1998, artigo 13, parágrafo único, inciso VI) e que, por isso, deve possuir viabilidade e autonomia financeira para que possa fazer jus ao percebimento de recursos públicos (artigo 18, inciso I), deve registrar-se junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, a fim de que possa funcionar, pelo menos no que diz respeito ao futebol infanto-juvenil.
Presente o fumus boni iuris, o periculum in mora emerge evidente do recém-editado “Termo de Parceria”, que viabilizará a transferência de vultosos recursos públicos destinados à promoção de atividades por meio de entidade que não se encontra devidamente registrada junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e que confessa não possuir os atributos necessários a tal registro.
Posto isso, DEFIRO a medida liminar a fim de determinar:
a) à LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR que se abstenha de promover qualquer atividade esportiva que envolva a participação de crianças ou adolescentes, até que promova sua adequação junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente ou até que seja julgado o mérito da presente demanda;
b) à LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR que se abstenha de utilizar os recursos a ela repassados pelo CENTRO ESPORTIVO E FORMAÇÃO DE ATLETAS ou pelo MUNICÍPIO DE ITABIRA
c) ao CENTRO ESPORTIVO E FORMAÇÃO DE ATLETAS que se abstenha de utilizar os recursos oriundos do “Termo de Parceria” enquanto não inscrito o programa da entidade junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, ou de repassá-los à  LIGA ITABIRANA DE FUTEBOL AMADOR.
Fixo-lhes multa diária de R$ 300,00 (trezentos reais) por dia de descumprimento, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.
Intime-se o MUNICÍPIO DE ITABIRA a fim de que, em 72 (setenta e duas), se manifeste a respeito do pedido de liminar contra si formulado.
Citem-se as corrés.
Intimem-se para IMEDIATO cumprimento.


PEDRO CAMARA RAPOSO LOPES
Juiz de Direito


RECEBIMENTO

Aos ___ de _______de 2011
Recebi estes autos

O Escrivão, ___________________
 


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