JUSTIÇA
ESTADUAL DE 1ª INSTÂNCIA
COMARCA
DE MARIANA
2ª
VARA CÍVEL, CRIMINAL E DE EXECUÇÕES CRIMINAIS
AUTOS
Nº :
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0400.xxxxxxxxx
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Num.
Única :
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xxxxxxxxxxxx-81.2007.8.13.0400
|
AUTOR :
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O
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
|
ADV.
:
|
O
Dr. Promotor de Justiça
|
RÉU :
|
xxxxxxxxxxxxxxxxxx
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ADV.
:
|
Drs.
Adilson Jose Selim De Sales De Oliveira, Christofer Magalhaes De
Castro e Jose Nilo De Castro
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CLASSE :
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Procedimento
Ordinário
|
Assunto :
|
-
|
Juiz
Prolator :
|
Pedro
Camara Raposo-Lopes
|
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A
Na Comarca de Mariana, aos
21.MAI.2007, o MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS,
por meio de seu ilustre Promotor de Justiça Dr. VANNE VICTORINO DE
REZENDE, ajuizou “ação civil pública” em face de
XXXXXXXXXXXXX,
parcialmente qualificado na petição inicial, em que pede sejam
aplicadas ao demandado as medidas constantes no artigo 12, inciso III
da Lei nº 8.429, de 1992.
Como causa de pedir, informou que o
demandado, na qualidade de prefeito do MUNICÍPIO DE XXXXXXXXXXXX,
negou-se, por diversas vezes, a fornecer a determinado cidadão
cópias de processo licitatório.
Noticiou que, instaurado inquérito
civil público, as explicações então fornecidas pelo alcaide não
se mostraram satisfatórias, donde a alegação de violação ao
princípio constitucional da publicidade.
À causa deu o valor de R$ 1.000,00
(mil reais).
Com a petição inicial, vieram os
documentos de folhas 10-52.
Despacho liminar positivo à folha 54.
Notificação do réu ao fólio 55.
Intimação do MUNICÍPO DE
XXXXXXXXXXXX à folha 57.
Manifestação escrita do demandado às
folhas 79-92.
À folha 99, o operoso magistrado que
me antecedeu no feito determinou fosse o réu citado, o que foi feito
à folha 100.
Resposta na modalidade de contestação
às folhas 102-116 em que propugnou o demandado, em síntese, que o
processo licitatório, ele mesmo já revestido dos atributos da
publicidade, uma vez perfeito, acabado e exaurido o seu objeto com a
contratação, já satisfaz o princípio da publicidade, de vez que
propicia amplo acesso dos cidadãos ao seu conteúdo.
À eventualidade, sustentou que o
acesso à informação fica a depender de mínima motivação do
requerimento, não podendo restar submetido ao exclusivo líbito do
cidadão, e que as sanções defluentes da improbidade administrativa
requerem enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e conduta
dolosa ou culposa por parte do agente público.
Exalçou que os documentos cuja vista
era pretendida pelo munícipe referiam-se a anterior administração,
razão pela qual não haveria razão para ocultá-lo do requerente.
Arguiu que a Lei nº 8.429, de 1992 é
inaplicável aos agentes políticos, consoante restou placitado pelo
excelso Supremo Tribunal Federal na Reclamação nº 2138-DF.
Impugnação autoral às folhas
119-120.
Instadas, as partes se manifestaram
satisfeitas quanto às provas já produzidas (folhas 121 e 122).
Suspensão do feito determinada à
folha 124, no aguardo do julgamento do mérito da Reclamação nº
2138-DF.
Sobreveio sentença terminativa às
folhas 150-152.
Dando provimento ao recurso interposto
pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE MINAS GERAIS, o
egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (folhas
179-182), por acórdão capitaneado pelo eminente Desembargador
MOREIRA DINIZ, anulou a sentença. O venerando acórdão foi
desafiado por recursos extraordinários, restando preclusas as vias
impugnativas.
Nesta
instância primeva, pugnou a parte ré pela produção de prova
pericial e oral. O MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS requereu
a produção de prova oral, inclusive com o depoimento pessoal da
parte ré.
Em sede de Audiência de Instrução e
Julgamento, abriram mão as partes da prova testemunhal.
É o
RELATÓRIO
do quanto necessário. Passo a FUNDAMENTAR
e
DECIDIR.
Não há nulidades a serem sanadas,
tampouco lobrigo a presença de qualquer delas que deva ser conhecida
de ofício. Por se encontrarem presentes os pressupostos de
existência e validade da relação processual e as condições para
o legítimo exercício do direito de ação, passo, súbito, ao
mérito.
Com efeito, a única questão prévia
que havia por ser dirimida, qual seja a da aplicação da Lei nº
8.429, de 1992 aos agentes políticos, já restou superada, com foros
de definitividade, pelas superiores instâncias.
Repousa
a vexata
quaestio
em saber se a negaça do demandado em fornecer cópias de processo de
licitação destinado à contratação da construção de unidades
habitacionais, objeto de convênio celebrado entre o XXXXXXXXXXXXX e
XXXXXXXXXXXXX, constituiu afronta aos deveres impostos ex
vi
legis
ao administrador público.
Argumenta
o réu que o processo licitatório, com a publicidade que lhe é
imanente, já dá meças ao imperativo de publicidade, e que a norma
do artigo 5º, inciso XXXIII da
Lex
Legum
ampara a pretensão de se obter dos órgãos públicos informações,
mas não prescinde de exposição da finalidade do quê se pretende
com a medida, sob pena de “realizar-se
verdadeira devassa das contas e documentações municipais,
simplesmente ao alvedrio do cidadão”.
Continuou
o demandado a defesa de seu obrar ao argumento de que “o
Executivo deve prestar suas contas ao Tribunal de Contas e ao
Legislativo, não podendo ficar refém de infundadas perseguições
de munícipes.”
Em que pese às judiciosas ponderações
lançadas pelo demandado, delas divirjo.
Um dos pilares do Estado Democrático
de Direito é o princípio da publicidade dos atos do Administrador
Público, possibilitando o controle popular sobre a juridicidade e à
economicidade da atuação administrativa, não devendo sofrer
qualquer peia que não encontre supedâneo em norma de igual estatura
constitucional, o que haura nela sua densidade normativa.
Com
efeito, o controle dos atos da administração por parte dos cidadãos
dá-se, em um regime democrático pleno, de duas formas: a
priori,
mediante institutos como consultas e audiências públicas
(instrumentos hoje utilizados amiúde até mesmo pelo excelso Supremo
Tribunal Federal); a
posteriori,
seja indiretamente, por meio de seus representantes nas casas
legislativas, seja diretamente, consoante determina a Constituição
da República (CR/88), em seu artigo 5º, inciso XXXIII. Eis o
conteúdo da democracia participativa.
Cai
a lanço a sempre pertinente ensinança de Celso Antonio Bandeira de
Mello, ipsissima
verba:
não
pode haver um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside
no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento
aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos
em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.
(Curso de Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 110)
Peço
vênia para transcrever, com o viés poético que lhe é peculiar, o
aviso do eminente Ministro CARLOS BRITTO, verbatim:
Quanto
ao princípio da publicidade, não é demais lembrar que ‘a maior
parte dos institutos do Direito Administrativo buscam um equilíbrio
entre de um lado as prerrogativas da Administração Pública e, de
outro lado, os direitos do cidadão. E não só o controle judicial,
mas inúmeras garantias são previstas em benefício do cidadão.’
. Aliás, o direito a publicidade, ainda que não expresso na lei, é
farol que guia, os atos processuais do administrador público, ao
porto da legalidade, desviando-o dos vícios, no mar das relações
jurídicas. (excerto de voto proferido no RE 349016/RR)
Aliás, o controle dos atos
administrativos pelo cidadão não é somente um direito, mas, para
além dele, um dever que não pode sofrer cerceio infundado, pois que
a transparência e a clareza nas relações entretidas pelo Estado
são noções que confluem para a própria legalidade da
administração, entendida como atividade dinâmica necessariamente
voltada à persecução da finalidade pública.
Ao invés do que propugna o réu, a
mera divulgação oficial dos atos e processos administrativos atende
somente ao viés formal do princípio da publicidade, mas não
possibilita ao administrado o conhecimento da conduta interna dos
agentes públicos, que se traduz no acesso ao conteúdo das
informações de maneira diáfana (viés material do princípio da
publicidade).
Como
pontifica o jovem e talentoso professor fluminense Gustavo Binembojm,
em precioso artigo (O Princípio da Publicidade Administrativa e a
Eficácia da Divulgação de Atos do Poder Público pela internet, in
Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto
Brasileiro de Direito Público, nº. 19, julho/agosto/setembro,
2009), o
princípio da publicidade:
impôs
aos agentes públicos o dever de adotar, crescente e
progressivamente, comportamentos necessários à consecução do
maior grau possível de difusão e conhecimento por parte da
cidadania dos atos e informações emanados do Poder Público.
Impende, pois, perquirir, se o
requerimento do cidadão deve veicular a sua finalidade, i.é, qual a
intenção que o anima a requerer a informação ou o acesso,
revelando-se curial anotar que os autos tratam de acontecimentos
havidos antes do advento da Lei nº 12.527, de 2011.
Não havia, então, norma legal que
impusesse ao administrado a motivação de seu requerimento.
Antes
do advento do diploma legal acima mencionado, trago a exortação
constante na obra Curso de Direito Constitucional, de autoria de
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo
Gonet Branco (3ª edição, editora Saraiva, p. 569), litteratim,
mas sem os grifos ora adicionados:
Se
se cuidar de pedido de certidão para
a defesa de direitos ou de esclarecimentos de situações de
interesse pessoal,
deverá o interessado demonstrar, minimamente, interesse legítimo.
A
contrario
sensu,
em se tratando de pedido de informações destinadas à cura do
interesse geral, de
lege
ferenda,
mostrava-se despicienda qualquer demonstração de interesse
legítimo.
Tal
aviso veio de ser albergado, de
lege
lata,
na mencionada Lei nº 12.527, de 2011 a qual, como não poderia
deixar de ser, reproduziu os cânones da gestão transparente da
informação, amplo acesso e divulgação dos atos emanados do Poder
Público.
O artigo 10, §§1º e 2º contempla,
às expressas, a proscrição de exigências relativas à
identificação que inviabilizem a solicitação, bem assim qualquer
outra relativa aos motivos determinantes da solicitação de
informações de interesse público.
A
lei, nesse passo, é meramente expletiva da garantia constitucional
de aplicabilidade imediata, somente restringível para salvaguardar a
intimidade e as hipóteses em que o sigilo mostre-se indispensável,
ainda que pro
tempore.
Ergo,
pelo que vai exposto, desde sempre encontravam-se os agentes públicos
obrigados a prestar informações de interesse geral, pouco
importando a motivação do cidadão.
Eis
porque a recusa injustificada do réu às sucessivas demandas do
interessado (xxxxxxxxxxxxxxx), que inclusive se viu obrigado a
impetrar habeas
data
para arrostar a ilegal omissão, enquadra-se, in
statu
assertionis,
no conceito de ato de improbidade que atenta contra os princípios da
Administração Pública (artigo 11, inciso IV da Lei nº 8.429, de
1992).
A
defesa do réu, desde as informações prestadas no bojo do habeas
data
impetrado, vem sendo a mesma, reproduzindo-se, com pequenas
alterações de conteúdo, nos autos do inquérito civil público
deflagrado pelo Parquet,
na manifestação escrita que precedeu a citação e na contestação.
Há
menção a dissensões políticas entre o interessado e o ex-alcaide,
como se vê do item 5.2 da contestação (folha 105), verbis,
com grifos por mim adicionados:
5.2
– É de considerar-se, ainda, que todos os cidadãos tiveram
oportunizadoo exame das contas do Município, em época própria, nos
termos do art. 31, §3º da Constituição da República, tendo o
cidadão que “originou” a presente ação se negligenciado em
fazê-lo, talvez
por inexistência, na época, das razões políticas motivadoras do
pedido tardio e injustificado.
Em
outro trecho da contestação, também há menção a um dado de
subida relevância na aferição do conteúdo anímico da omissão do
então prócer, verbo
ad
verbum
(os grifos constam do original):
6
– Vale dizer ainda que os
documentos requeridos eram da Administração anterior, não
se podendo falar que o Requerido pretendia “esconder” os seus
atos dos munícipes, uma vez que não foi ele que praticou a
licitação em voga.
Ora, se assim é, parece-me
devidamente positivado que o único móvel da conduta omissiva foi um
velado espírito de emulação geneticamente ligado a
desinteligências políticas.
Nesse eito, o demandado, pretextando
ausência de fundamentação do requerimento lançado pelo
interessado (pois que não havia qualquer outra justificativa
plausível para a negaça), agiu com o elemento subjetivo necessário
à caracterziação do ato ímprobo.
Devo registrar, todavia, que o fato
não se revestiu de gravidade exacerbada, não havendo notícia de
que da omissão tenha decorrido qualquer agravo aos interesses da
Administração ou do cidadão.
Nessa
ordem de considerações, extingo o feito com resolução de mérito
(Código de Processo Civil brasileiro, artigo 269, inciso I) e julgo
PROCEDENTE
o pedido para o fim de declarar que XXXXXXXXXXX
praticou ato ímprobo, como tal definido no artigo 11, inciso IV da
Lei nº 8.429, de 1992 e para condená-lo no pagamento de multa no
valor de um subsídio, calculado com base na última remuneração
percebida, que deverá ser corrigida monetariamente, segundo os
índices divulgados pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de
Minas Gerais, até o efetivo pagamento.
Condeno-o ainda no pagamento das
custas processuais.
Sem condenação na verba honorária,
por força da norma do artigo 128, §5º, inciso II, alínea “a”
da Constituição da República (CR/88).
Pubique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Mariana, 22 de maio de 2013.
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