domingo, 26 de maio de 2013

SENTENÇA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE


JUSTIÇA ESTADUAL DE 1ª INSTÂNCIA
COMARCA DE MARIANA
2ª VARA CÍVEL, CRIMINAL E DE EXECUÇÕES CRIMINAIS

AUTOS Nº :
0400.xxxxxxxxx
Num. Única :
xxxxxxxxxxxx-81.2007.8.13.0400
AUTOR :
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ADV. :
O Dr. Promotor de Justiça
RÉU :
xxxxxxxxxxxxxxxxxx
ADV. :
Drs. Adilson Jose Selim De Sales De Oliveira, Christofer Magalhaes De Castro e Jose Nilo De Castro
CLASSE :
Procedimento Ordinário
Assunto :
-
Juiz Prolator :
Pedro Camara Raposo-Lopes











S E N T E N Ç A







Na Comarca de Mariana, aos 21.MAI.2007, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por meio de seu ilustre Promotor de Justiça Dr. VANNE VICTORINO DE REZENDE, ajuizou “ação civil pública” em face de XXXXXXXXXXXXX, parcialmente qualificado na petição inicial, em que pede sejam aplicadas ao demandado as medidas constantes no artigo 12, inciso III da Lei nº 8.429, de 1992.
Como causa de pedir, informou que o demandado, na qualidade de prefeito do MUNICÍPIO DE XXXXXXXXXXXX, negou-se, por diversas vezes, a fornecer a determinado cidadão cópias de processo licitatório.
Noticiou que, instaurado inquérito civil público, as explicações então fornecidas pelo alcaide não se mostraram satisfatórias, donde a alegação de violação ao princípio constitucional da publicidade.
À causa deu o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
Com a petição inicial, vieram os documentos de folhas 10-52.
Despacho liminar positivo à folha 54.
Notificação do réu ao fólio 55.
Intimação do MUNICÍPO DE XXXXXXXXXXXX à folha 57.
Manifestação escrita do demandado às folhas 79-92.
À folha 99, o operoso magistrado que me antecedeu no feito determinou fosse o réu citado, o que foi feito à folha 100.
Resposta na modalidade de contestação às folhas 102-116 em que propugnou o demandado, em síntese, que o processo licitatório, ele mesmo já revestido dos atributos da publicidade, uma vez perfeito, acabado e exaurido o seu objeto com a contratação, já satisfaz o princípio da publicidade, de vez que propicia amplo acesso dos cidadãos ao seu conteúdo.
À eventualidade, sustentou que o acesso à informação fica a depender de mínima motivação do requerimento, não podendo restar submetido ao exclusivo líbito do cidadão, e que as sanções defluentes da improbidade administrativa requerem enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e conduta dolosa ou culposa por parte do agente público.
Exalçou que os documentos cuja vista era pretendida pelo munícipe referiam-se a anterior administração, razão pela qual não haveria razão para ocultá-lo do requerente.
Arguiu que a Lei nº 8.429, de 1992 é inaplicável aos agentes políticos, consoante restou placitado pelo excelso Supremo Tribunal Federal na Reclamação nº 2138-DF.
Impugnação autoral às folhas 119-120.
Instadas, as partes se manifestaram satisfeitas quanto às provas já produzidas (folhas 121 e 122).
Suspensão do feito determinada à folha 124, no aguardo do julgamento do mérito da Reclamação nº 2138-DF.
Sobreveio sentença terminativa às folhas 150-152.
Dando provimento ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (folhas 179-182), por acórdão capitaneado pelo eminente Desembargador MOREIRA DINIZ, anulou a sentença. O venerando acórdão foi desafiado por recursos extraordinários, restando preclusas as vias impugnativas.
Nesta instância primeva, pugnou a parte ré pela produção de prova pericial e oral. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS requereu a produção de prova oral, inclusive com o depoimento pessoal da parte ré.
Em sede de Audiência de Instrução e Julgamento, abriram mão as partes da prova testemunhal.
É o RELATÓRIO do quanto necessário. Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
Não há nulidades a serem sanadas, tampouco lobrigo a presença de qualquer delas que deva ser conhecida de ofício. Por se encontrarem presentes os pressupostos de existência e validade da relação processual e as condições para o legítimo exercício do direito de ação, passo, súbito, ao mérito.
Com efeito, a única questão prévia que havia por ser dirimida, qual seja a da aplicação da Lei nº 8.429, de 1992 aos agentes políticos, já restou superada, com foros de definitividade, pelas superiores instâncias.
Repousa a vexata quaestio em saber se a negaça do demandado em fornecer cópias de processo de licitação destinado à contratação da construção de unidades habitacionais, objeto de convênio celebrado entre o XXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXX, constituiu afronta aos deveres impostos ex vi legis ao administrador público.
Argumenta o réu que o processo licitatório, com a publicidade que lhe é imanente, já dá meças ao imperativo de publicidade, e que a norma do artigo 5º, inciso XXXIII da Lex Legum ampara a pretensão de se obter dos órgãos públicos informações, mas não prescinde de exposição da finalidade do quê se pretende com a medida, sob pena de “realizar-se verdadeira devassa das contas e documentações municipais, simplesmente ao alvedrio do cidadão”.
Continuou o demandado a defesa de seu obrar ao argumento de que “o Executivo deve prestar suas contas ao Tribunal de Contas e ao Legislativo, não podendo ficar refém de infundadas perseguições de munícipes.
Em que pese às judiciosas ponderações lançadas pelo demandado, delas divirjo.
Um dos pilares do Estado Democrático de Direito é o princípio da publicidade dos atos do Administrador Público, possibilitando o controle popular sobre a juridicidade e à economicidade da atuação administrativa, não devendo sofrer qualquer peia que não encontre supedâneo em norma de igual estatura constitucional, o que haura nela sua densidade normativa.
Com efeito, o controle dos atos da administração por parte dos cidadãos dá-se, em um regime democrático pleno, de duas formas: a priori, mediante institutos como consultas e audiências públicas (instrumentos hoje utilizados amiúde até mesmo pelo excelso Supremo Tribunal Federal); a posteriori, seja indiretamente, por meio de seus representantes nas casas legislativas, seja diretamente, consoante determina a Constituição da República (CR/88), em seu artigo 5º, inciso XXXIII. Eis o conteúdo da democracia participativa.
Cai a lanço a sempre pertinente ensinança de Celso Antonio Bandeira de Mello, ipsissima verba:
não pode haver um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida. (Curso de Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 110)


Peço vênia para transcrever, com o viés poético que lhe é peculiar, o aviso do eminente Ministro CARLOS BRITTO, verbatim:
Quanto ao princípio da publicidade, não é demais lembrar que ‘a maior parte dos institutos do Direito Administrativo buscam um equilíbrio entre de um lado as prerrogativas da Administração Pública e, de outro lado, os direitos do cidadão. E não só o controle judicial, mas inúmeras garantias são previstas em benefício do cidadão.’ . Aliás, o direito a publicidade, ainda que não expresso na lei, é farol que guia, os atos processuais do administrador público, ao porto da legalidade, desviando-o dos vícios, no mar das relações jurídicas. (excerto de voto proferido no RE 349016/RR)


Aliás, o controle dos atos administrativos pelo cidadão não é somente um direito, mas, para além dele, um dever que não pode sofrer cerceio infundado, pois que a transparência e a clareza nas relações entretidas pelo Estado são noções que confluem para a própria legalidade da administração, entendida como atividade dinâmica necessariamente voltada à persecução da finalidade pública.
Ao invés do que propugna o réu, a mera divulgação oficial dos atos e processos administrativos atende somente ao viés formal do princípio da publicidade, mas não possibilita ao administrado o conhecimento da conduta interna dos agentes públicos, que se traduz no acesso ao conteúdo das informações de maneira diáfana (viés material do princípio da publicidade).
Como pontifica o jovem e talentoso professor fluminense Gustavo Binembojm, em precioso artigo (O Princípio da Publicidade Administrativa e a Eficácia da Divulgação de Atos do Poder Público pela internet, in Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 19, julho/agosto/setembro, 2009), o princípio da publicidade:
impôs aos agentes públicos o dever de adotar, crescente e progressivamente, comportamentos necessários à consecução do maior grau possível de difusão e conhecimento por parte da cidadania dos atos e informações emanados do Poder Público.


Impende, pois, perquirir, se o requerimento do cidadão deve veicular a sua finalidade, i.é, qual a intenção que o anima a requerer a informação ou o acesso, revelando-se curial anotar que os autos tratam de acontecimentos havidos antes do advento da Lei nº 12.527, de 2011.
Não havia, então, norma legal que impusesse ao administrado a motivação de seu requerimento.
Antes do advento do diploma legal acima mencionado, trago a exortação constante na obra Curso de Direito Constitucional, de autoria de Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (3ª edição, editora Saraiva, p. 569), litteratim, mas sem os grifos ora adicionados:
Se se cuidar de pedido de certidão para a defesa de direitos ou de esclarecimentos de situações de interesse pessoal, deverá o interessado demonstrar, minimamente, interesse legítimo.


A contrario sensu, em se tratando de pedido de informações destinadas à cura do interesse geral, de lege ferenda, mostrava-se despicienda qualquer demonstração de interesse legítimo.
Tal aviso veio de ser albergado, de lege lata, na mencionada Lei nº 12.527, de 2011 a qual, como não poderia deixar de ser, reproduziu os cânones da gestão transparente da informação, amplo acesso e divulgação dos atos emanados do Poder Público.
O artigo 10, §§1º e 2º contempla, às expressas, a proscrição de exigências relativas à identificação que inviabilizem a solicitação, bem assim qualquer outra relativa aos motivos determinantes da solicitação de informações de interesse público.
A lei, nesse passo, é meramente expletiva da garantia constitucional de aplicabilidade imediata, somente restringível para salvaguardar a intimidade e as hipóteses em que o sigilo mostre-se indispensável, ainda que pro tempore.
Ergo, pelo que vai exposto, desde sempre encontravam-se os agentes públicos obrigados a prestar informações de interesse geral, pouco importando a motivação do cidadão.
Eis porque a recusa injustificada do réu às sucessivas demandas do interessado (xxxxxxxxxxxxxxx), que inclusive se viu obrigado a impetrar habeas data para arrostar a ilegal omissão, enquadra-se, in statu assertionis, no conceito de ato de improbidade que atenta contra os princípios da Administração Pública (artigo 11, inciso IV da Lei nº 8.429, de 1992).
A defesa do réu, desde as informações prestadas no bojo do habeas data impetrado, vem sendo a mesma, reproduzindo-se, com pequenas alterações de conteúdo, nos autos do inquérito civil público deflagrado pelo Parquet, na manifestação escrita que precedeu a citação e na contestação.
Há menção a dissensões políticas entre o interessado e o ex-alcaide, como se vê do item 5.2 da contestação (folha 105), verbis, com grifos por mim adicionados:
5.2 – É de considerar-se, ainda, que todos os cidadãos tiveram oportunizadoo exame das contas do Município, em época própria, nos termos do art. 31, §3º da Constituição da República, tendo o cidadão que “originou” a presente ação se negligenciado em fazê-lo, talvez por inexistência, na época, das razões políticas motivadoras do pedido tardio e injustificado.


Em outro trecho da contestação, também há menção a um dado de subida relevância na aferição do conteúdo anímico da omissão do então prócer, verbo ad verbum (os grifos constam do original):
6 – Vale dizer ainda que os documentos requeridos eram da Administração anterior, não se podendo falar que o Requerido pretendia “esconder” os seus atos dos munícipes, uma vez que não foi ele que praticou a licitação em voga.


Ora, se assim é, parece-me devidamente positivado que o único móvel da conduta omissiva foi um velado espírito de emulação geneticamente ligado a desinteligências políticas.
Nesse eito, o demandado, pretextando ausência de fundamentação do requerimento lançado pelo interessado (pois que não havia qualquer outra justificativa plausível para a negaça), agiu com o elemento subjetivo necessário à caracterziação do ato ímprobo.
Devo registrar, todavia, que o fato não se revestiu de gravidade exacerbada, não havendo notícia de que da omissão tenha decorrido qualquer agravo aos interesses da Administração ou do cidadão.
Nessa ordem de considerações, extingo o feito com resolução de mérito (Código de Processo Civil brasileiro, artigo 269, inciso I) e julgo PROCEDENTE o pedido para o fim de declarar que XXXXXXXXXXX praticou ato ímprobo, como tal definido no artigo 11, inciso IV da Lei nº 8.429, de 1992 e para condená-lo no pagamento de multa no valor de um subsídio, calculado com base na última remuneração percebida, que deverá ser corrigida monetariamente, segundo os índices divulgados pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, até o efetivo pagamento.
Condeno-o ainda no pagamento das custas processuais.
Sem condenação na verba honorária, por força da norma do artigo 128, §5º, inciso II, alínea “a” da Constituição da República (CR/88).
Pubique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Mariana, 22 de maio de 2013.


PEDRO CAMARA RAPOSO-LOPES

Juiz de Direito




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