sábado, 12 de novembro de 2011

DECISÃO – SAÚDE – DESOBEDIÊNCIA – FORÇAS ARMADAS – 2ª VARA DE JUÍNA/MT


O Ministério Público do Estado de Mato Grosso ingressou com a presente medida de proteção em favor da criança V.E. de apenas 2 (DOIS) anos de idade, residente nesta Comarca de Juína, portadora de hidrocefalia e necessitando de neurocirurgia e UTI pediátrica urgente.

Pelos meios normais, a criança foi atendida pelo SUS até que foi emitido um laudo médico de nº 19552 (fls. 19) aos 02/06/11 requisitando a internação e o procedimento cirúrgico.

Daí em diante o atendimento parou e, ante a inércia do Estado, a criança procurou a Promotoria que ajuizou a presente medida aos 12/08/2011 (fls. 05).

Proferi decisão na mesma data (12/08/2011 - fls. 25/26), determinei a intimação do Estado para que informasse em 5 dias qual hospital receberia o infante em internação, sob pena de multa diária de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

O Estado foi regularmente intimado aos 29/08/2011 às 09:43 horas por intermédio do Sr. Secretário de Estado de Saúde que apôs seu carimbo e assinatura às fls. 49, conforme certidão de fls. 50.

Como nada foi feito depois disso, o Ministério Público tornou aos autos aos 07/10/2011 (fls. 33) e solicitou o BLOQUEIO DE VERBAS PUBLICITÁRIAS (ou tributárias, se aquelas fossem insuficientes) para custear a cirurgia do paciente em hospital particular, tudo porque o pai da criança prestou declarações (fls. 34) informando que o médico dissera que se a cirurgia não fosse feita com urgência o filho ficaria com sequelas.

Diante deste pedido, antes de deliberar sobre ele, determinei (pela decisão de fls. 35/37, aos 12/10/2011) a imediata condução da criança e internação compulsória em um hospital de Cuiabá, por meio de uma ambulância da Prefeitura de Juína.

Às fls. 54 consta ofício da Sra. Secretária Municipal de Saúde de Juína, datado de 21/10/2011, informando que o paciente foi levado para Cuiabá mas "não conseguiu internação nos hospitais qualificados", razão pela qual foi colocado na "Casa de Apoio Recanto da Paz" em Cuiabá e a família orientada para procurar o Poder Judiciário".

Este magistrado então, diante do desespero desta família, telefonou para o pai da criança que informou que já estava há uns 10 dias em Cuiabá sem saber o que fazer, aguardando notícias da Secretaria da Saúde, especialmente da servidora "Bruna", que estaria tentando resolver a questão.

Telefonei então ao oficial de justiça que estava com o mandado da precatória em Cuiabá ("Leodemar"), que informou que já havia intimado a "Central de Regulação", mas lhe expliquei a questão, ou seja, que nada havia sido feito e ele, mesmo estando em greve, me informou que então iria buscar a criança onde ela se encontrava e iria tentar interná-la nos termos do mandado.

Veio então a certidão do oficial nesta data (fls. 58), relatando que foi informado pelos médicos dos referidos locais que "no HGU não tem serviço e vaga na UTI infantil; na Santa Casa não tem quadro de neurocirurgião; no Hospital Santa Rosa tem uma criança gravíssima na UTI que não pode ter contato com outras crianças, tendo então se recusado a receber o paciente."

Bem! Diante deste quadro caótico, resta apreciar o pedido de bloqueio de contas do Estado.

Ocorre que, respeitados os doutos entendimentos em sentido contrário, entendo não caber ao magistrado bloquear contas do Estado para realizar qualquer serviço ou comprar qualquer produto que este não esteja fornecendo.

Isto porque a relação entre o Poder Judiciário e o Estado, quando este tem de cumprir decisões daquele quando lhe são determinados pagamentos, segue o mecanismo do precatório, disposto no art. 100 da Constituição Federal.

O que a jurisprudência tem entendido (o que respeito), é que a questão da saúde é de natureza alimentar, daí deve ser paga com preferência como dispõe o § 1º daquele artigo.

Porém ali consta que aquela exceção tem como pressuposto serem os débitos "transitados em julgado".

Ademais, ao se incluir a questão da saúde como "alimentar", por mais relevante que ela seja, está se ampliando a exceção para que ali possa se incluir inúmeras outras hipóteses, como educação, segurança, moradia, etc.

Daí porque, entendo que fora do mecanismo do precatório, a decisão judicial que bloqueia ou penhora bens do Estado, interfere na independência dos poderes (prevista no art. 2º da Constituição Federal) de forma gravíssima e perigosa, a ponto de, em pouco tempo, em nome dos direitos fundamentais, estarmos bloqueando contas do Estado para construir escolas, presídios, centros sócioeducativos, ou outras obras tão importantes para a garantia dos direitos fundamentais do homem.

A situação que se vê atualmente com a saúde em Mato Grosso, longe de ser uma situação excepcional ou momentânea de dificuldade, passou a ser constante e duradoura, pois inúmeros são os pedidos judiciais para internação de pacientes feitos já há mais de ano.

Se, ao que tudo indica, faltam leitos, a construção de mais hospitais é uma decisão discricionária do Poder Executivo, eleito pelo povo para, em seu nome, eleger as prioridades.

O que se constata atualmente são obras de grande porte, como estádios para a "Copa do Mundo", prédios públicos confortáveis e funcionais, como o são os da Justiça do Trabalho, Tribunal de Justiça, Assembléia Legislativa, Justiça Eleitoral, Justiça Federal, Ministério Público, Fórum e muitos outros (de suma importância para o bom funcionamento do Estado e a garantia do estado de direito), compras de veículos, duplicação de rodovias, mas, paradoxalmente, no Estado campeão de rebanho bovino, de plantio de soja, algodão e outras culturas, não se vê prédios da mesma envergadura para atender o ser humano, ou ainda mais, um garotinho de 2 anos de idade que precisa ser internado. Não se vê nem obras em andamento nesse sentido!!!

Aliás, a situação da saúde no Estado foi tema de matéria veiculada a nível nacional na semana passada perante o notório "Jornal Nacional".

Assim, se algo está errado, está na escolha das prioridades, que não cabe, em meu entendimento, respeitados os posicionamentos em contrário, ao Juiz fazê-las, mas ao Político, eleito pelo povo.

Por estes motivos, INDEFIRO o pedido de bloqueio de contas do Estado feito às fls. 33, entendendo que ele fere o disposto no art. 730 do CPC e 100 da Constituição Federal.

Como juiz, órgão do Estado, fiz o que pude, determinando ao próprio Estado que internasse a criança. Se este se nega a internar, justificando falta de leitos, a situação é de calamidade pública, equivalente à situação de guerra.

Assim dispõe a Lei 8.745/93:

"Art. 1º Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, os órgãos da Administração Federal direta, as autarquias e as fundações públicas poderão efetuar contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei."

"Art. 2º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público:

    I - assistência a situações de calamidade pública;

    II - assistência a emergências em saúde pública;

    VI - atividades:

    d) finalísticas do Hospital das Forças Armadas;"

Assim dispõe a Lei Complementar 97/99:

    "Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

    (...)

    § 1º Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados."

    "Art. 16. Cabe às Forças Armadas, como atribuição subsidiária geral, cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma determinada pelo Presidente da República.

    Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, integra as referidas ações de caráter geral a participação em campanhas institucionais de utilidade pública ou de interesse social."

Diante destas possibilidades, ante o que dispõe os arts. 98, I e 101, V do Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo em vista a situação da criança, determino a expedição URGENTE, via E-MAIL dos ofícios abaixo para que a situação seja apurada e resolvida pelas entidades competentes:

1. OFICIE-SE ao Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal para, se o entender, tomar as medidas que lhe são ofertadas pelo art. 15, § 1º da Lei Complementar 97/99 no sentido de solicitar à Presidência da República o auxílio das Forças Armadas para atendimento desta situação emergencial. Instrua-se o ofício com a cópia desta decisão.

2. OFICIEM-SE por meio de ofício circular a todos os Srs. Deputados Estaduais, Federais e Senadores do Estado de Mato Grosso com cópia desta decisão para ciência e providências que e se entenderem cabíveis.

3. OFICIE-SE ao Ministério Público atuante nesta para que tome as providências cabíveis em face do senhor Secretário de Estado de Saúde de Mato Grosso quanto aos fatos aqui narrados e o que dispõem os arts. 132 e 135 do Código Penal e art. 11, II e 12, III da Lei 8.429/92 e art. 129, II da Constituição Federal. Instrua-se o ofício com cópia integral deste processo.

4. OFICIE-SE ao senhor Procurador Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso para que tome as providências cabíveis em face do senhor Governador do Estado de Mato Grosso quanto aos fatos aqui narrados e o que dispõem os arts. 132 e 135 do Código Penal e art. 11, II e 12, III da Lei 8.429/92 e art. 129, II da Constituição Federal. Instrua-se o ofício com cópia integral deste processo.

5. OFICIE-SE ao Ministério Público Federal em Cuiabá para que tome as providências que entender cabíveis quanto aos fatos aqui narrados, tendo em vista a participação de verbas federais na saúde e o que dispõe o art. 129, II da Constituição Federal. Instrua-se o ofício com cópia integral deste processo.

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