Processo: 201003480122
Revisional de contrato ajuizada por Antônio Castelo da Silva contra Banco Panamericano S/A.
Narrou o autor que financiou com o réu a compra de um veículo, recebendo-o na 'forma de arrendamento mercantil' (sic), valor de R$ 70.000,00, a pagar em 48 parcelas de R$ 3.616,00, das quais pagou 05, e tem que o correto valor das parcelas remanescentes é de R$ 1.291,06, desejando consigná-las nessa medida, bem como as 04 vencidas e inadimplidas.
Escreveu longa e abstratamente sobre encargos contratuais e terminou com 13 pedidos, dentre os quais e com algum relevo o de modificação da correção monetária, afastamento de capitalização de juros e comissão de permanência.
Deu à causa o valor de R$ 70.000,00, recolheu preparo com base em R$ 35.000,00.
Petição em 46 laudas, no verbo dos advogados WILDERLAINE LOURENÇO DA SILVA e WESLEY SANTANA TOLENTINO.
O autor foi chamado para emendar a inicial corrigir a natureza da ação, que nominara consignatória, declinar precisa causa de pedir e pedidos, bem como para exibir o contrato.
Inerte, a inicial foi indeferida basicamente pela irregularidade no preparo da ação.
O autor apelou e obteve acolhida sob fundamento de possibilidade de cumulação de revisional com consignatória, o valor da causa é o da vantagem perseguida, julgamento citra petita porque não apreciado o pedido de exibição do contrato e, finalmente, que não há falar-se em falta de interesse processual.
Relatei e decido.
Muito por exercício acadêmico, cumpre dizer que em tempo algum, seja no despacho inicial ou na sentença, houve qualquer objeção à cumulação de ação revisional com consignatória.
Não por isso, admite-se a cumulação de ações quando o rito for comum ou comportar no rito ordinário.
A revisional de contrato é de rito ordinário, e a consignação de rito especial. Por conseguinte, a cumulação de ambas implica abraçar o rito ordinário que, por isso, faz prevalecer a natureza da ação naturalmente desse rito sobre a do rito especial.
Como outrora dito, prevalecendo a natureza revisional (rito ordinário) sobre a natureza consignatória (rito especial), as despesas processuais devem ser segundo o custo daquele procedimento, que é mais oneroso que o deste.
Ainda no exercício acadêmico:
No despacho inicial foi assentado que o valor da causa é o do contrato ou, quando menos, o da vantagem perseguida, nesse ponto sem reproche do 2º grau. Mas, com o devido respeito, fez-se com uma das mãos e desmanchou com os pés.
Conforme observado e destacado na sentença cassada, a vantagem perseguida pelo autor é na ordem de R$ 99.972,42, isso porque ficou de pagar 48 parcelas de 3.616,00, do que resulta R$ 173.568,00; pagou somente 05 parcelas, que são iguais a R$ 18.080,00, e quer pagar as 43 restantes a R$ 1.291,06, que somam R$ 55.515,58.
Somando R$ 18.080,00 com R$ 55.515,58 resulta R$ 73.595,48, que subtraído de R$ 173.568,00 indica a vantagem perseguida: R$ 99.972,42.
Portanto, não bastasse o autor haver dado à causa valor inferior à vantagem perseguida (R$ 70.000,00), ainda pagou as custas processuais iniciais com base na metade desse valor (R$ 35.000,00).
A isso dá-se o nome de má-fé processual, deslealdade processual.
Ainda no exercício acadêmico:
Não consta na sentença objurgada enfrentamento do pedido de exibição do contrato, mesmo porque descabe acolher ou rejeitar pedido de fundo quando a sentença limita-se a indeferir a inicial precipuamente por incorreção no valor da causa.
Alias, nesse tópico referente a admissão de inicial sem o contrato que deseja-se revisar ressai o paradoxo do pedido de revisão de cláusulas desconhecidas, donde surgem os mirabolantes pedidos “condicionados à existência” da “eventual” mácula.
É invencível que o interesse processual é ditado pela necessidade de provisionamento judicial, necessidade essa que não é demonstrada quando a própria parte afirma desconhecer sua existência.
Portanto, simples e de fácil apresentação é o interesse processual em revisional de contrato: basta apontar a existência do que reputa-se irregular e, por isso, deseja-se a correção. Simples assim.
Encerrado está o exercício acadêmico, e passo ao fundamento da sentença que é, para sintetizar, a má-fé processual objetiva.
Vede que o autor afirmou que financiou R$ 70.000,00 (com desconhecimento de causa disse também de 'arrendamento mercantil', contrato de espécie de todo divorciado o mútuo), a pagar em 48 meses, ou 04 anos.
O contrato foi celebrado em dez./09, e em set./10, menos de 10 meses depois e com 04 parcelas vencidas e inadimplidas, o autor ajuizou esta ação, e sabe-se lá se pagou em dia as 05 primeiras, querendo pagar as vencidas com o exato valor que tem por correto, sem oferecer correção monetária, ou juros, ou a eventual e provável multa moratória.
Quer o autor pagar em 04 anos (48 meses) os R$ 70.000,00 emprestado com tão somente R$ 73.595,48, ou seja e para destacar com letras garrafais: quer pagar de juros e correção monetária por esse longo período de empate do dinheiro alheio tão somente R$ 3.595,48, ou, por outro quadrante, com acréscimo de 5,1364% no período, ou, ainda, 1,2841% de juros e correção monetária ao ano. Ou seja, 0,1070% de encargos por mês.
Tem seriedade e dispensa deferência à Justiça quem tem ânimo bastante para ingressar em juízo com postulado dessa medida? Seguramente não.
Para limitar à essência do fundamento deste julgado mantenho a pecha aos limites da adjetivação de violação ao princípio da boa-fé objetiva.
Mas, não por isso, vem à lembrança criação intelectual de Gregório de Matos Guerra: Que falta nesta cidade? Verdade./ Que mais por sua desonra? Honra. Falta mais que se lhe ponha? Vergonha./O demo a viver se exponha/ Por mais que a fama a exalta/ Numa cidade onde falta/ Verdade, honra e vergonha.
O art. 422, CC, dispõe que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Ainda o art. 133: os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
A desmerecer a falta de honra, digo, probidade e boa-fé, no ingressar em juízo tão canhestramente, repelindo de pronto tais investidas está jurisprudência da Corte local. Confira:
“O pagamento de apenas três parcelas das quarenta e oito pactuadas no contrato de financiamento não gera direito às pretensões consignatória e revisional, por ensejar ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, nos contratos, tutelados pelo artigo 422 do Código Civil de 2002. Relator: Des. Kisleu Dias Maciel Filho. Recurso: 314701-59.2010.8.09.0051. DJ 749 de 31/01/2011.”
“O pagamento de apenas duas (02) parcelas do contrato de arrendamento mercantil não gera direito à pretensão revisional, tendo em vista a flagrante ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, prevista no artigo 422 do Código Civil, restando afastado, por conseguinte, o interesse processual, excluindo por completo a possibilidade de um pronunciamento judicial apto a solucionar o litígio, impondo-se, dessarte, o indeferimento da petição inicial. Relator: Des. João Waldeck Felix de Sousa. Recurso: 204356-26.2010.8.09.0051. DJ 786, de 25/03/2011).”
“Impõe-se a confirmação da sentença que extinguiu o feito, por indeferimento da peça vestibular, quando evidenciada a ruptura da lealdade e da confiança entre os contratantes, evidenciado pelo curto espaço de tempo, pouco mais de um mês da assinatura do contrato, para a propositura de ação visando a declaração de onerosidade, sob o argumento de existência de cláusulas unilaterais, abusivas e ilegais, transparecendo um total desrespeito e desconsideração com a vontade dantes exteriorizada. Esta ausência de boa-fé objetiva afasta o interesse processual e exclui a possibilidade de um pronunciamento judicial apto a solucionar o litígio. Relator: Des. João Waldeck Felix de Sousa. Recurso: 124713-19.2010.8.09.0051. DJ 786 de 25/03/2011)”
Ademais, não há porque admitir revisar contrato quando das cláusulas deste desconhece o autor, e faz-se ausente sua prova escrita, porque não se sabe os encargos nele existentes.
Neste sentido ainda a jurisprudência local:
“É imprescindível a presença do contrato nos autos para análise de suas cláusulas a fim de comprovar a alegada abusividade. Relator: Dr. Francisco Vildon Jose Valente. Recurso: 222362-74.2009.8.09.0000. DJ 718 de 15/12/2010).”
Vale transcrever, também, a Súmula 381, STJ:
“Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.”
Portanto, é o autor quem deve afirmar precisa existência de defeitos que deseja ver corrigidos, para o que imprescindível é a exibição do contrato para que haja possibilidade de julgamento do pedido.
Houvera o autor agido com mínimo de lealdade processual, boa-fé objetiva e subjetiva, com probidade e um cadinho de prudência, antes de lançar-se a aventura processual teria antes buscado ter em mãos os termos de sua avença; teria buscado informação de real existência de interesse processual, objetivamente o apresentando em juízo.
Teria, sobretudo, exposto os fatos conforme a verdade, que é o esperado de quem presa sua honra, o respeito próprio, e acredita na Justiça.
Sabe-se isso: a culpa do autor é objetiva, culpa in eligendo.
Em razão da explicita e gritante afronta à boa-fé objetiva e o autor não tem direito de ver sua querela decidida em juízo.
Posto isto, declaro extinto o processo, sem resolução do mérito, forte nos arts. 267, I, VI, 284 e 295, III, VI, CPC.
PRI.
Goiânia, 02 de setembro de 2.011.
Joseli Luiz Silva
Juiz de Direito
A sentença por si só, fala tudo.
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