Vistos etc.
Cuida-se de mandado de segurança impetrado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS contra ato apodado de coator praticado pelo Exmo. Sr. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, no bojo do qual persegue liminar que obrigue a autoridade coatora a proceder à imediata matrícula do adolescente XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX em instituição municipal de ensino, bem assim ofereça aulas de reposição da carga horária perdida desde o mês de fevereiro de 2010, oportunizando-lhe a submissão aos exames perdidos durante o afastamento.
Pretende obter ainda, em favor do substituído processual, o fornecimento do fármaco RITALINA (10mg), tudo sob pena de multa diária.
Como causa de pedir, aduziu que a matrícula do adolescente nas Escolas Municipais XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX vem-lhe sendo negada, sob o argumento de que atos de indisciplina inviabilizam a convivência junto à comunidade discente.
Todavia, prosseguiu o Parquet, o tratamento com a RITALINA, também não fornecida pela autoridade coatora, vem se mostrando eficaz relativamente ao comportamento hiperativo e à falta de concentração de XXXXXXXXX.
À causa deu o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) requerendo as benesses da Assistência judiciária Gratuita.
Com a petição inicial, vieram os documentos de folhas 10-92.
É o RELATÓRIO do quanto necessário. Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
A obtenção da liminar em mandado de segurança fica a depender da coexistência do fumus boni iuris e do periculum in mora
.
Este, na hipótese vertente, mostra-se de meridiana clareza, pois que nos encontramos no albor de um novo ano letivo. Caso sonegado o direito à matrícula escolar, certamente mais um ano se passará sem que xxxxxxxxxxxxx tenha atendido seu inconcusso direito ao ensino, erigido à dignidade constitucional (artigos 205 e 206 da Lex Legum).
Com respeito ao fumus boni iuris, haure-se, nos documentos de folhas 23-25, 42-44 e 82-83, que a negaça restou motivada tão-somente no comportamento indisciplinado do substituído, indisciplina essa que poderá vir a ser controlada com o uso de medicamentos amplamente difundidos no tratamento dos distúrbios de concentração e da hiperatividade.
Não há notícia de que tenha sido o substituído submetido ao devido processo legal que poderia culminar, no limite, no seu afastamento das instituições de ensino, ou mesmo que lhe tivessem sido propiciadas oportunidades de recuperação, com o auxílio do medicamento indicado pelo CAPSi.
Parece-me escarmento assaz cruel submeter o adolescente às trevas da ignorância apenas pela circunstância de ser portador de moléstia mental passível de controle, ainda que se traduza em atos de indisciplina, ou, ao menos, que não se lhe dê uma chance de participar da vida escolar amparado pelo medicamento que lhe foi prescrito.
De outro lado, o artigo 196 da Lex Legum erigiu a saúde à dignidade de direito fundamental, cuja promoção é dever do Estado, mediante atividades preventivas e corretivas.
Transcrevo, por oportunas, as palavras de CLÁUDIA DE REZENDE (Cláudia de Rezende Machado de Araújo in O Direito Constitucional de Resistência, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002, p. 95), verbatim:
Considerando que boa parte da população brasileira é muito pobre e não dispõe de recursos econômicos para pagar pela saúde e educação, é importante o reconhecimento constitucional destes direitos para gerar uma atribuição de responsabilidades às autoridades públicas.
Quanto às sempre alvitradas escassez e reserva do possível, caem a lanço as pertinentes ensinanças de ANA PAULA DE BARCELLOS (A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, p. 245-246, 2002, Renovar), verbatim:
Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir
O ofício de folha 47 é diáfano ao asserir que o adolescente, portador de CID10:F90.0, apresenta “ótima resposta à medicação Ritalina (metilfenidato), com melhora da hiperatividade e da concentração nas atividades que necessitam de maior atenção focada. Houve melhora, também, no limiar de reação às frustrações.”
Ergo, a prova pré-constituída, caracterizadora do direito líquido e certo apto a ensejar a concessão do writ, encontra-se presente, haja vista que os documentos colacionados atendem satisfatoriamente a este fim.
O direito do substituído é amparado pela Lei nº 8.080, de 1990 (artigos 2º e 4º, inter plures) e pelo artigo 11, §2º da Lei nº 8.069, de 1990 (ECA).
Pelo mesmo ofício, mostra-se inquestionável a recusa. Há diagnóstico (folha 47), prescrição médica (folha 53) e fortes indícios de que o substituído não tem condições financeiras de arcar com a despesa decorrente.
Nessa ordem de considerações, DEFIRO A LIMINAR para determinar que o impetrado providencie, no prazo de 05 (cinco) dias contados da intimação desta, a matrícula do substituído em uma das instituições de ensino alhures mencionadas e, no mesmo prazo, o fornecimento do fármaco RITALINA, conforme prescrição médica, devendo demonstrar o cumprimento da liminar nestes autos, sob pena de incidir na multa diária que fixo em R$ 100,00 (cem reais) por dia de atraso.
Notifique-se a autoridade coatora do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações.
Dê-se ciência do feito à Procuradoria Municipal do MUNICÍPIO XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito.
Findo o decêndio, abra-se vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, a fim de que apresente parecer, no prazo legal de 10 (dez) dias.
Com ou sem parecer, venham os autos conclusos para sentença.
Intime-se (Dje).
Cumpra-se.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
PEDRO CAMARA RAPOSO LOPES
Juiz de Direito
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