terça-feira, 29 de março de 2016

Impeachment Não é Golpe

'Impeachment' não é golpe. O fato de eu achar que não há base jurídica para o impedimento (e acho que, deveras, não há) é tão irrelevante quanto a opinião de Celso Antonio Bandeira de Mello e de outros luminares aristarcos do processo, com a diferença de que eu não ganho um tostão furado para emitir a minha opinião.
O 'impeachment' está previsto na Constituição e o juiz natural para dizer, com foros de definitividade, sobre a solidez de seus alicerces é o Senado Federal. O resto, como disse, é tão irrelevante como a minha opinião, pois o Senado Federal poderá transformar água em vinho e vice-versa, formando jurisprudência, inclusive, sobre se 'pedalada fiscal' é ou não crime de responsabilidade. Ficarei a ver navios e continuarei achando que não é. Sociologicamente o litígio persistirá; juridicamente, não mais.
Durma-se com um barulho desses, mas é assim que funciona. Se um juiz disser que um uísque fabricado em Engenho de Dentro é melhor do que o 'Yamazaki Single Malt Sherry Cask' (que, 'by the way', é o melhor de todos e é fabricado no Japão) é assim que será, se essa decisão vier a transitar em julgado. E, no caso do 'impeachment', é também assim que será e ponto. Final. Coisas do Estado Democrático de Direito.
A diferença é que um julgamento pelo Senado Federal, precedido de um juízo de admissibilidade por 2/3 da Câmara dos Deputados, é um julgamento político. Mordam-se, portanto, os juristas de 25 anos ou os interessados pelo Direito quarentões, como eu. Quem se arrisca na vida política, todavia, corre esse risco terrível, o de serem julgados por juridicamente ineptos. Quem mandou ser político?
Nessa bagunça toda, ao Supremo Tribunal Federal cabe exercer a vigilância sobre o processo, 'tout court'. E é o que tem feito. As ruas têm se manifestado, pró ou contra. Tudo funciona bem em Pindorama, à exceção de todo o resto.
Somente cinco presidentes eleitos democraticamente concluíram seus mandatos: Dutra, JK, FHC, Lula e Dilma (I). Fato. Querer atribuir a culpa ao 'impeachment' é o mesmo que atribuir a responsabilidade ao efeito, não à causa. Tão absurdo quanto o argumento 'desperatis causa', de que a culpa pela penúria financeira do Estado brasileiro é da "Operação Lava Jato". Ora, façam-me o favor!
O busílis reside no inviável sistema político presidencialista de coalizão, que tem essa aptidão de gerar processos de 'impeachment' com frequência indesejada. Ultrapassado este momento agudo de nossa história, é preciso mudar o sistema vigente com urgência.

sexta-feira, 11 de março de 2016

ANTES QUE SEJA TARDE (Manuel da Fonseca - POEMA)

O recadinho de sexta-feira vem do poeta lusitano e ilustre comunista Manuel da Fonseca, concitando todos os amigos a acordarem e travarem o bom combate de suas vidas cotidianas, antes que seja tarde:
ANTES QUE SEJA TARDE
"Amigo, 
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha,
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida." (Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos")

quarta-feira, 9 de março de 2016

Seiscentos e Sessenta e Seis (Mário Quintana - POESIA)

Recadinho de quarta-feira: aproveitar cada momento como se fora o último, sem atinar para o passar dos minutos. Rapidinho. Coisa de 47seg:
"Seiscentos e Sessenta e Seis
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos…
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre, sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
( Mario Quintana, Poesia Completa – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 479)