terça-feira, 26 de janeiro de 2016

SENTENÇA - Demolitória - Prescrição - Direito Intertemporal - Direito Civil - Código Civil de 1916 - Construção em Terreno Alheio (SENTENÇA)

http://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado.jsp?tipoPesquisa=1&comrCodigo=471&txtProcesso=0471081003900&listaProcessos=08100390&nomePessoa=Nome+da+Pessoa&tipoPessoa=X&naturezaProcesso=0&situacaoParte=X&codigoOAB=&tipoOAB=N&ufOAB=MG&tipoConsulta=1&natureza=0&ativoBaixado=X&numero=1&select=1

JUSTIÇA ESTADUAL DE INSTÂNCIA
COMARCA DE PARÁ DE MINAS
VARA CÍVEL

AUTOS Nº :
0471.08.100390-0
Num. Única :
1003900-04.2008.8.13.0471
AUTOR :
JUAREZ DA FONSECA TELES
ADV. :
Dr. Ronaldo Galvao
RÉU :
JOSÉ AUGUSTO MAIA SOBRINHO
ADV. :
Dr. Claudio Alves Da Silva
CLASSE :
Procedimento Ordinário
Assunto :
-
Juiz Prolator :
Pedro Camara Raposo-Lopes
Data :
18/01/16










S E N T E N Ç A





Vistos e examinados estes autos, passo a relatar.
Na Comarca de Pará de Minas, MG, JUAREZ DA FONSECA TELES, devidamente qualificado e representado por ilustre advogado, ajuizou, aos 20.mai.2008, em face de JOSÉ AUGUSTO MAIA SOBRINHO e MARIA DE LURDES MAIA, demanda sob procedimento comum ordinário em que pediu a condenação dos corréus em indenização por perdas e danos consistente no pagamento do valor de mercado de imóvel ou, “alternativamente”, na demolição de construção feita em menoscabo aos direitos de propriedade do demandante.
Como causa de pedir, aduziu haver adquirido, aos 14.abr.1978, o imóvel situado na Quadra B-82 do Bairro Jurema, Pará de Minas, MG, a que se refere a matrícula nº 6.035 do Livro nº 2-V do registro imobiliário da Comarca.
Narrou que no ano de 2004, tencionando encetar construção, dirigiu-se ao local e constatou que o demandado, que é proprietário de lote lindeiro ao seu, ali já havia construído uma edificação, obstaculizando o exercício de seu direito de propriedade, de vez que a parte remanescente se tornou imprestável.
Afirmou que sempre se manteve- atento ao seu direito, pagando os tributos incidentes sobre o imóvel e cuidando de zelar pela sua limpeza. Nada obstante, por residir na cidade mineira de Januária, delegou a terceiros a vigilância sobre a posse, razão pela qual justificou não ter conhecimento da obra.
Sustentou que, diante das peculiaridades dos lotes, ao demandado não era dado desconhecer a injustiça de sua posse.
À causa deu o valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), requerendo as benesses da Assistência Judiciária Gratuita, de que trata da Lei nº 1.060, de 1950.
Com a petição inicial vieram os documentos de folhas 08-11.
Despacho liminar positivo à folha 13, azo em que restou deferida a Assistência Judiciária Gratuita, de que trata da Lei nº 1.060, de 1950.
Regularmente citados (folha 16), apresentaram os corréus resposta na modalidade de contestação (folhas 19-21) em que arguiram preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, pois que teriam adquirido o imóvel em testilha de terceiros estranhos à relação processual.
No mérito, sustentaram a incúria do demandante que adquiriu imóvel sem antes verificar a real situação fática e que se comportou de forma desidiosa desde a sua aquisição.
Também requereram lhes fosse concedida as benesses da Assistência Judiciária Gratuita, de que trata da Lei nº 1.060, de 1950 e que fosse revogado o benefício em desfavor do demandante.
Impugnação autoral às folhas 35-36.
Instadas as partes à especificação de provas, fê-lo o autor às folhas 40-41; fizeram-no os corréus à folha 42.
Pela respeitável decisão de folha 43, restaram superadas as preliminares e organizada a atividade probatória.
Quesitos de perícia pela parte autora às folhas 49-50.
Em sede de audiência de instrução e julgamento, realizada à folha 51, não se fizeram presentes o réu ou seu nobre patrono. A parte autora desistiu do depoimento pessoal dos réus e da oitiva das testemunhas, insistindo, todavia, na produção de prova pericial.
Laudo pericial às folhas 60-63, a respeito do qual manifestou-se o autor à folha 67.
Alegações finais na forma de memorial pelo demandante à folha 90.
Pela respeitável sentença de folhas 91-97, a MMª Juíza titular desta Vara julgou improcedente o pedido, ao argumento basilar de haverem os corréus obtido a propriedade do imóvel pela usucapião.
Interposto recurso de apelação (folhas 99-107), subiram os autos ao egrégio Sodalício mineiro, tendo merecido acolhida o apelo para anular a sentença prolatada em vício extra petita, razão pela qual volveram os autos a esta instância primeva para que outra fosse lançada (venerando acórdão às folhas 134-142.
Vieram-me conclusos para sentença.
É o RELATÓRIO do quanto necessário. Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
Cumpre-me, por proêmio, indeferir as benesses da Assistência Judiciária Gratuita, de que trata da Lei 1.060, de 1950 aos corréus que não se desincumbiram do ônus que lhes tocava de juntar declaração de pobreza ou outro documento equivalente.
Quanto à impugnação à assistência judiciária, não veio na forma legal. De mais a mais, não trouxeram os corréus qualquer início de prova que infirmasse as declarações lançadas na petição inicial.
Não nulidades a serem sanadas e presentes estão os pressupostos processuais de existência e validade da relação processual. Já tendo sido superadas as preliminares no comenos da decisão interlocutória de saneamento, e por se acharem presentes as condições para o legítimo exercício do direito de ação, passo, súbito, ao mérito.
Em caráter isagógico, é curial que se gize a natureza da pretensão vertida na presente demanda, que é a de obter indenização pela invasão de área por construção alheia, ou, alternativamente, o desfazimento da obra.
Noutras palavras, não se cuida de demanda reipersecutória, mas de demanda de jaez pessoal que encontra esteio legal no artigo 1.259 do Código Civil brasileiro, ipsissima verba:
Art. 1.259. Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro.


Entretanto, é fato incontroverso que a construção data da década de 80 do século passado, consoante se haure na averbação de construção constante no fólio real (confira-se folha 23).
Se assim é, a relação jurídica de direito material subjacente à demanda rege-se pelo vetusto monumental Código Beviláqua, cujo artigo 547 ostentava a seguinte redação, verbatim:
Art. 547. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções, mas tem direito à indenização. Não o terá, porém, se procedeu de má fé, caso em que poderá ser constrangido a repor as coisas no estado anterior e a pagar os prejuízos.


É dizer, ao proprietário do solo não assistia direito a indenização, mas o de haver para si a obra, mediante indenização cabal ao construtor de boa-fé, o que não foi pedido, razão pela qual não há espaço para se dar guarida a essa pretensão.
Resta, portanto, perquirir se o demandante pode exigir o desfazimento da obra (pedido alternativo), caso em que deverá demonstrar a má-fé do construtor.
Pois bem.
A pretensão de desfazimento da obra (pretensão demolitória) surgiu, na melhor das hipóteses, no ano de 1987 [data em que construção foi averbada na serventia imobiliária]. A partir de então, iniciou-se o prazo prescricional que, a teor do artigo 178, §10, inciso IX do revogado códice civil, era de cinco anos.
Vê-se, portanto, que há preliminar de mérito que deve ser reconhecida de ofício, pois que o lustro prescricional teria se aperfeiçoado aos 16.jul.1992. Aforada a demanda somente no ano de 2008, a pretensão acha-se irremediavelmente fulminada pela prescrição.
Nesse sentido, confira-se:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO DEMOLITÓRIA. MURO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. Sendo o muro limítrofe construído na vigência do Código Civil de 1916, a pretensão de cunho demolitório deve ser posta em juíza no prazo prescricional de cinco anos, conforme previa o inciso IX do § 10 do art. 178. Pretensão prescrita. Apelo desprovido. Unânime. (TJRS; AC 470390-03.2012.8.21.7000; Pelotas; Décima Sétima Câmara Cível; Relª Desª Liege Puricelli Pires; Julg. 13/12/2012; DJERS 30/01/2013)


À guisa de reforço de argumentação, ainda que não se aplicasse à espécie o prazo prescricional quinquenal, consoante autorizada jurisprudência1 que alvitra a prescrição vintenária de que cuida a regra geral constante no artigo 177 do Código Civil brasileiro de 1916, tendo sido o prazo reduzido com o advento do Código Reale de 2002 (artigo 205), aplicável é a regra de transição do artigo 2.028, a qual determina a incidência do prazo previsto na norma revogada, caso superada a metade do seu curso quando do advento de sua vigência, o que é a hipótese. Reza a norma:
Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.


Tendo o decênio se aperfeiçoado em 1997, prevalece a regra antiga.
Registo que não se está a reconhecer de ofício a usucapião que, como bem assentado no venerando acórdão recorrido, dever ser alegada como matéria de defesa, mas, ao invés, a prescrição da pretensão demolitória, cuja única coincidência, in haec specie, é a igualdade de prazos, ainda que os efeitos práticos sejam equivalentes.
Com efeito, a partir da vigência da Lei nº 11.280, de 2006 é dado ao magistrado reconhecer a prescrição extintiva ou liberatória de ofício, matéria de ordem pública, conforme reiterados precedentes.
Nessa ordem de considerações, extingo o feito com resolução de mérito (Código de Processo Civil, artigo 269, incisos I e IV) e julgo IMPROCEDENTE o pedido, condenando o autor nas despesas processuais e na verba honorária que, atento às balizas do artigo 20, §3º do Código de Processo Civil, notadamente o local da prestação dos serviços e única intervenção do nobre causídico, fixo em R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais), cuja exigibilidade suspendo ex vi do artigo 12 da Lei nº 1.060, de 1950.
Interposto(s) o(s) recurso(s), caberá à Secretaria, mediante ato ordinatório, abrir vista dos autos à parte contrária para oferecimento de contrarrazões, e, na sequência, certificada a tempestividade, fazerem-mos conclusos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Pará de Minas, 18 de janeiro de 2015.


PEDRO CAMARA RAPOSO-LOPES

Juiz de Direito

1(nesse sentido, inter plures: Tribunal de Justiça de São Paulo; APL 0042084-30.2011.8.26.0002; Ac. 7444767; São Paulo; Trigésima Primeira Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Adilson de Araújo; Julg. 25/03/2014; DJESP 02/04/2014)

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