CONCLUSÃO
Autos
nº 0471.15.008134-0
Aos
08 de junho de 2015
Faço
estes autos conclusos ao MM. Juiz de Direito
O
Escrivão, ___________________
D
E
C
I
S
Ã
O
I
N
T
E
R
L
O
C
U
T
Ó
R
I
A
Vistos.
Na
Comarca
de
Pará de Minas,
MG,
FARMÁCIA
HOMEOPÁTICA MAFRA LTDA.,
nestes
autos
devidamente
representada
por
ilustres
advogados,
impetrou,
aos
03/06/2015,
mandado
de
segurança
contra
ato
apodado
de
ilegal/abusivo
de
poder
praticado
pelo
Ilmº
SECRETÁRIO
MUNICIPAL DE SAÚDE,
no
bojo
da
qual
pediu
a
concessão
de
medida
liminar
que
determine
à
autoridade
impetrada
a abstenção da exigência de “retirada
dos produtos manipulados, englobando o seu estoque mínimo, exposição
e comercialização dos produtos homeopáticos com base no relatório
do item VII da inspeção vigilância.”
Como
causa
de
pedir,
aduziu
ser
sociedade empresária que se dedica ao fabrico e comercialização de
fármacos homeopáticos, na conformidade de seu objeto social, tal
como descrito em seus atos constitutivos.
A
despeito de possuir projeto aprovado para laboratório de manipulação
de sólidos e semissólidos, alvará de localização, certidão de
regularidade expedida pela entidade fiscalizadora profissional e
laudo de controle de qualidade externo, agentes da fiscalização, a
mando da digna autoridade coatora, determinaram a retirada de
produtos manipulados expostos à venda, somente admitindo o estoque
de bases galênicas e veículos para cápsulas.
Sustentou
que o embasamento normativo da fiscalização de polícia, qual seja
a Resolução ANVISA nº 67, de 2007, vai de encontro à legislação
aplicável à matéria, mormente as Leis nºs 5.991, de 1973 e 6.360,
de 1976, donde o direito certo e líquido a ser amparado na via do
writ.
À
causa de o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
Com
a petição inicial, vieram os documentos de folhas 08-24.
As
custas foram recolhidas à folha 25.
É
o RELATÓRIO
do quanto necessário. Passo a FUNDAMENTAR
e
DECIDIR.
A
teor
do
artigo
7º
da
Lei
nº
12.016,
de
2009,
a
suspensão
do
ato
que
deu
motivo
ao
pedido
poderá
ser
ordenada
quando
houver
fundamento
relevante
e
do
ato
impugnado
puder
resultar
a
ineficácia
da
medida,
caso
seja
finalmente
deferida,
o
que
equivale,
na
prática,
aos
tradicionais
periculum
in
mora
e
fumus
boni
iuris.
Na
hipótese vertente, evidente é o periculum
in
mora.
Caso não sejam observadas as determinações constante em folha 20,
poderá a impetrante se submeter a sanções de polícia, inclusive,
no limite, apreensão dos medicamentos manipulados expostos à venda.
Quanto
ao fumus
boni
iuris,
sustenta a impetrante que as prescrições constantes na RDC ANVISA
nº 67, de 2007, ao determinarem a vedação da exposição à venda
de produtos manipulados e a manutenção de estoque mínimo apenas de
bases galênicas e veículos para cápsulas, extrapolaram o poder
normativo para estabelecerem, ex
novo,
restrições não condizentes com normas de estatura constitucional
superior, notadamente as Leis nºs 5.991, de 1973 e 6.360, de 1976.
Ao
dispor sobre as “Boas Práticas de Manipulação de Preparações
Magistrais e Oficinais para Uso Humano em farmácias”, proscreveu o
ato normativo objurgado, no subitem 5.14. do Anexo I, a exposição
ao público de produtos manipulados com o objetivo de propaganda,
publicidade ou promoção.
Já
no subitem 10.1. do mesmo Anexo, autorizou a manutenção de estoque
mínimo de preparações oficinais constantes no Formulário
Nacional, devidamente identificadas e de bases galênicas, de acordo
com as necessidades técnicas e gerenciais do estabelecimento.
Tais
normas foram baixadas, como anotado, pela ANVISA,
que é uma agência reguladora, a qual detém o poder regulamentar de
proibir e normatizar atividades, exercendo o poder de polícia
sanitária.
A
respeito do poder normativo das chamadas 'agências reguladoras', vem
a talho a seguintes preciosa ensinança doutrinária, ipsissima
verba:
A
agência reguladora independente é titular da competência
regulatória setorial.
Isso significa o poder de editar normas abstratas infralegais, adotar
decisões discricionárias e compor conflitos num setor econômico.
Esse setor pode abranger serviços públicos e (ou) atividades
econômicas propriamente ditas.
E
as decisões adotadas são vinculantes para diversos setores estatais
e não estatais, ressalvada a revisão jurisdicional.” (JUSTEN
FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5ª ed. São Paulo:
Saraiva. 2010. p.679).
Já
no ano de 2009, o egrégio Superior Tribunal de Justiça enfrentou a
delicada questão dos limites do Poder Normativo das Agências
Reguladoras [como
sói ser a ANVISA],
ao apreciar as restrições impostas aos chamados TRR
(Transportadores Revendedores Retalhistas no mercado de
combustíveis). Confira-se, inter
plures:
PROCESSUAL
CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL.
TRANSPORTADOR-REVENDEDOR-RETALHISTA (TRR).
PORTARIA ANP 201/99. PROIBIÇÃO DO TRANSPORTE E REVENDA DE GLP,
GASOLINA E ÁLCOOL COMBUSTÍVEL. EXERCÍCIO DO PODER NORMATIVO
CONFERIDO ÀS AGÊNCIAS REGULADORAS. LEGALIDADE. 1. Ação
objetivando a declaração de ilegalidade da Portaria ANP 201/99, que
proíbe o Transportador-Revendedor-Retalhista - TRR - de transportar
e revender gás liquefeito de petróleo - GLP-, gasolina e álcool
combustível. 2. A
Lei nº 9.478/97 instituiu a Agência Nacional do Petróleo - ANP -,
incumbindo-a de promover a regulação,
a contratação e a fiscalização das atividades econômicas
integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos
biocombustíveis (art. 8º). 3. Também constitui atribuição da
ANP, nos termos do art. 56, caput
e parágrafo único, do mesmo diploma legal, baixar normas sobre a
habilitação dos interessados em efetuar qualquer modalidade de
transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, estabelecendo
as condições para a autorização e para a transferência de sua
titularidade, observado o atendimento aos requisitos de proteção
ambiental e segurança de tráfego. 4. No exercício dessa
prerrogativa, a ANP editou a Portaria 201/99 (atualmente revogada
pela Resolução ANP 8/2007), proibindo o
Transportador-Revendedor-Retalhista - TRR - de transportar e revender
gás liquefeito de petróleo - GLP-, gasolina e álcool combustível.
O ato acoimado de ilegal foi praticado nos limites da atribuição
conferida à ANP, de baixar normas relativas ao armazenamento,
transporte e revenda de combustíveis, nos moldes da Lei nº
9.478/97. 5. "Ao
contrário do que alguns advogam, trata-se do exercício de função
administrativa, e não legislativa, ainda que seja genérica sua
carga de aplicabilidade. Não há total inovação na ordem jurídica
com a edição dos atos regulatórios das agências. Na verdade,
foram as próprias Leis disciplinadoras da regulação que, como
visto, transferiram alguns vetores, de ordem técnica, para
normatização pelas entidades especiais. "
(Carvalho FILHO, José dos Santos. "O Poder Normativo das
Agências Reguladoras" / Alexandre Santos de Aragão,
coordenador - Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, págs. 81-85).
6. Recurso Especial provido, para julgar improcedente o pedido
formulado na inicial, com a consequente inversão dos ônus
sucumbenciais. (STJ; REsp 1.101.040; Proc. 2008/0237401-7; PR;
Primeira Turma; Relª Minª Denise Martins Arruda; Julg. 16/06/2009;
DJE 05/08/2009)
Em
sede doutrinária, na mesma obra coletiva organizada pelo Prof.
ALEXANDRE DOS SANTOS ARAGÃO, sabidamente a maior autoridade no tema,
assim preleciona ex
professo
GIONI R. LOSS (op.cit., p. 127)
Os
atos regulatórios criados pelas agências
devem ter natureza de regula- mentos administrativos, visto que são
considerados manifestações da função ad- ministrativa do
Estado. Nesse diapasão, é inquestionável
a necessidade de previ- são legal ou regulamentar de todos e
quaisquer atos administrativos
de autoria das agências, restando, portanto, apenas
duas possíveis relações de legalidade envolvendo o poder
regulatório nesse caso, que seriam a (i) sujeição total ou a
(ii) sujeição especial.
No caso de sujeição total à lei, o ato regulatório consta de previsão legal, sendo a supremacia da lei limite da atividade regulatória, não podendo haver modificação, inovação, suspensão, supressão ou revogação da forma do ato regulatório pela agência, restando ao regulador atuar nos estritos termos da previsão legal estabelecida.
Em se tratando de sujeição especial, por sua vez, temos a flexibilização, mas não a supressão, do princípio da legalidade. Isso significa dizer que, nesse caso, a lei deverá prever cláusulas gerais, atribuindo competências às agências reguladoras e estabelecendo limites à sua atuação.
Existindo atribuição legal e nos estritos limites dessa atribuição, cabe às agên- cias, por meio do indispensável ato regulamentar, estabelecer o conteúdo de seu poder regulatório aplicável ao caso específico, para que assim possa limitar a liberdade de iniciativa, em face da necessidade de intervenção estatal.
Faz-se imprescindível, por conseguinte, ainda que dado setor esteja no âmbito de abrangência da regulação setorial, e que certa medida possa ser considerada proporcional ao fim desejado, que exista previsão legal ou regulamentar prévia específica acerca do instrumento regulatório a ser utilizado, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Nesse caso, portanto, a legalidade aparece claramente como terceiro pilar limitador da atividade regulatória, acompanhando a subsidiariedade e a proporcionalidade, importando excesso do regulador afastar quaisquer desses princípios limitadores.
Nesse
eito, a Lei nº 9.872, de 1999, em seu artigo 8º, dotou a ANVISA de
competência para expedir atos normativos tendentes a regulamentar,
controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à
saúde pública, a exemplo dos medicamentos.
As
funções então cometidas ao Serviço Nacional de Fiscalização da
Medicina e Farmácia, extinto em 1976, e à Secretaria Nacional de
Vigilância Sanitária, extinta em 1998, passaram a ser executadas
pela ANVISA, cujo poder normativo haure sua força na Lei nº 9.872,
de 1999.
No
âmbito da competência normativa, deve-se observar que não poderia
o legislador antever todos os aspectos das atividades econômicas
socialmente relevantes e que, por isso, submetem-se à regulação,
até por conta das constantes e desejáveis evoluções técnicas
nesses setores, a demandarem novos padrões (standards)
normativos
que visem, dentre outros anelos, a salvaguardar os interesses dos
consumidores.
A natureza de tais atividades, porque dominadas por critérios
técnicos impossíveis de serem catalogados, ex
ante,
em ato de estatura formalmente legal, permitem a edição de normas
com baixa densidade normativa [estabelecimento
de finalidades e parâmetros].
Em
tese de doutoramento, o já mencionado luminar fluminense ALEXANDRE
DOS SANTOS ARAGÃO1
assim pontifica, verbatim,
com grifos por mim adicionados:
As
leis instituidoras das agências reguladoras integram, destarte, a
categoria das leis-quadro (lois-cadre) ou standartizadas, próprias
das matérias de particular complexidade técnica e dos setores
suscetíveis a constantes mudanças econômicas e tecnológicas.
Podemos ver, com efeito, que, apesar da maior ou menor magnitude de poder normativo legalmente outorgado nas suas esferas de atuação, todas as agências reguladoras – umas mais e outras menos – possuem competências normativas calcadas em standards, ou seja, em palavras dotadas de baixa densidade normativa, às vezes meramente habilitadoras, devendo exercer estas competências na busca da realização das finalidades públicas – também genéricas – fixadas nas suas respectivas leis.
As leis com estas características não dão maiores elementos pelos quais o administrador deva pautar a sua atuação concreta ou regulamentar, referindo-se genericamente a valores morais, políticos e econômicos existentes no seio da sociedade (saúde pública, utilidade pública, suprimento do mercado interno, boas práticas da indústria, competição no mercado, preços abusivos, continuidade dos serviços públicos, regionalização, etc.). Assim, confere à Administração Pública um grande poder de integração do conteúdo da vontade do legislador, dentro dos quadros por ele estabelecidos.
Repontando-se
para a espécie, as limitações invectivadas, a um primeiro súbito
de vista, não colidem com nenhum comando dos diplomas legais
veiculados na década de setenta do século passado.
Segundo
a já mencionada lição de GIONI R. LOSS, atendidas a sujeição
total (previsão legal do ato normativo infralegal) e sujeição
especial (adstrição aos limites gizados na legislação
autorizadora), o que resta perquirir é a proporcionalidade da medida
adotada. Nesse aspecto, a exigência de não exposição de
medicamentos manipulados à venda e a limitação de estoques mínimos
situa-se na zona de discricionariedade técnica da norma e, por isso,
insuscetível de análise na via angusta do mandamus,
por carecer de prova pré-constituída.
A
despeito de tudo o que foi dito, entendo que a determinação da
autoridade coatora, no sentido de permitir apenas estoque de “bases
galênicas e veículos para cápsulas”,
é ainda mais restritiva do que a que se refere a RDC ANVISA nº 67,
de 2007, devendo ser permitida a manutenção de estoque mínimo de
preparações oficinais constantes do Formulário Nacional, desde que
devidamente identificadas.
Nessa
ordem de considerações, DEFIRO
PARCIALMENTE A LIMINAR,
tão-somente para permitir a manutenção de estoque mínimo de
preparações oficinais constantes do Formulário Nacional, bem assim
de bases galênicas e veículos para cápsulas.
Intime-se
a
autoridade
coatora
do
conteúdo
desta
decisão.
Oficie-se
à
Procuradoria-Geral
do
Município,
a
fim
de
que,
querendo,
ingresse
no
feito,
enviando-lhe
cópia
da
inicial,
sem
documentos
Notifique-se
a
autoridade
coatora
do
conteúdo
da
petição
inicial,
enviando-lhe
a
segunda
via
apresentada
com
as
cópias
dos
documentos,
a
fim
de
que,
no
prazo
de
10
(dez)
dias,
preste
as
informações.
Findo
o
decêndio,
abra-se
vista
ao
MINISTÉRIO
PÚBLICO
DO
ESTADO
DE
MINAS
GERAIS,
a
fim
de
que
apresente
parecer,
no
prazo
legal
de
10
(dez)
dias.
Com
ou
sem
parecer,
venham
os
autos
conclusos
para
sentença.
Intime-se
(Dje).
Cumpra-se.
Mariana,
15 de
junho de
2015.
PEDRO
CAMARA
RAPOSO-LOPES
Juiz
de
Direito
RECEBIMENTO
Aos
___ de _______de 2015
Recebi
estes autos
O
Escrivão, ___________________
1ARAGÃO.,
Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito
Administrativo Econômico, 3ª edição. Forense, 2013, p. 441
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