Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO em face de BANCO ITAUCARD S/A objetivando a declaração de nulidade das cláusulas 7.1 (f) e 9 (b) das 'Condições Gerais de Cartão de Crédito', assim redigidas, respectivamente:
'7.1 (f) O não recebimento da Fatura não exclui sua obrigação de pagar os débitos na data de vencimento. Na hipótese de não receber a Fatura até 3 dias antes da data de vencimento, você deverá obter o saldo devedor junto ao Emissor (no site, na Central de Atendimento ou nos Caixas Eletrônicos) e seguir as instruções de pagamento que lhe serão passadas;
9 (b) O atraso no pagamento de qualquer obrigação devidas por conta deste Contrato ou de qualquer outro produto contratado com qualquer empresa do conglomerado Itaú Unibanco poderá, ainda, ocasionar o bloqueio ou cancelamento do Cartão.'
Alega o Ministério Público que tais cláusulas são abusivas, pois importam em vantagem excessiva para o réu, sustentando, no tocante à cláusula 7.1, que o consumidor não pode ser obrigado a procurar informações sobre o seu saldo devedor, uma vez que cabe ao fornecedor de serviços informar previamente a este sobre o quantum debeatur relativo aos serviços por ele devido, direito este previsto no art. 6º, inc. III, da Lei 8.078/90.
Aduz que, ao agir assim, a instituição financeira transfere indevidamente para o consumidor o ônus advindo da sua atividade empresarial, o que não se admite.
Quanto à cláusula 9 (b), argumenta que, ao vincular o atraso do pagamento ao bloqueio ou cancelamento do cartão de crédito acaba por colocar o consumidor em desvantagem exagerada, até porque, caso o consumidor atrase o pagamento de um serviço qualquer oferecido pela ré, já será apenado pela mora daí advinda, com o pagamento de encargos correlatos, não havendo motivo legal ou fático que justifique a prática mencionada.
Sustenta que a conduta da ré viola o princípio da boa fé objetiva dos contratos, indo de encontro ao estabelecido no art. 51, caput, do CDC, e seu inc. IV.
Por tais razões, pleiteia, a título de antecipação de tutela, que (i) a ré se abstenha de bloquear ou cancelar o cartão de crédito em razão do atraso no pagamento de qualquer outro serviço ou produto adquirido pelo consumidor do conglomerado Itaú Unibanco; (ii) envie para a residência do consumidor e/ou outro local por este expressamente indicado a fatura correspondente ao cartão de crédito contratado, sempre antes de seu vencimento, dando-lhe conhecimento prévio de todo e qualquer débito relativo existente em seu nome, abstendo-se de cobrar o principal e/ou acréscimos de tal débito do consumidor acaso não enviada a respectiva fatura ou em caso de extravio, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00.
Em definitivo, pugna pela declaração de nulidade das cláusulas contratuais 7.1 e 9 b constantes nas Condições Gerais de Cartão de Crédito da ré; pede a condenação da ré à reparação dos danos materiais e morais causados ao consumidor. Com a inicial veio o inquérito civil nº 033/2010.
Às fls. 16/17 foi proferida decisão concedendo em parte a antecipação de tutela, determinando que a ré se abstenha de bloquear ou cancelar cartão de crédito em razão de atraso no pagamento de qualquer outro serviço ou produto adquirido pelo consumidor do conglomerado Itaú Unibanco, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por ocorrência.
Esta decisão foi integralmente mantida pela Eg. 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, conforme se observa do extrato de consulta processual extraído da intranet ora anexado.
O Banco Itaucard S/A apresentou contestação às fls. 47/63, sem preliminares. No mérito, sustenta a legalidade das cláusulas citada na inicial, por estarem em perfeita consonância com as disposições do CDC, inexistindo abusividade. Sustenta, no tocante à cláusula 9 (b), que nem sempre será necessariamente bloqueado ou cancelado o cartão de crédito na hipótese de inadimplemento de outro contrato celebrado com as demais empresas do conglomerado, tratando-se tão somente de uma possibilidade de que o réu assim o faça, e assim mesmo nas hipóteses de clientes que reiteradamente atrasam o pagamento de suas obrigações, por vezes, até em definitivo, chegando à situação de superendividamento. Trata-se, pois, de cláusula com a exclusiva finalidade de evitar o superendividamento de clientes, o que representa benefício para ambas as partes da relação contratual.
Quanto à cláusula 7.1 (f), informa que o Itaucard assume como obrigação perante todos os seus clientes o envio mensal de faturas aos respectivos endereços de correspondência, o que significa que as faturas serão recebidas todos os meses pelos clientes, tratando-se de meras exceções as ocasiões em que isso não vier a ocorrer.
Diante disso e do fato de que os titulares dos cartões de crédito têm pleno conhecimento das datas de vencimento de suas faturas, não é possível excetuar a sua obrigação de adimplemento tempestivo quando do não recebimento das faturas, especialmente porque é possível para o cliente obter a respectiva segunda via por outros meios, sem qualquer espécie de esforço ou transtorno.
Após refutar as indenizações pleiteadas, e reiterar a inexistência de abusividade nas cláusulas indicadas, pugna pela improcedência do pedido. Réplica às fls.83/95.
O edital a que alude o art. 94 do CDC foi devidamente publicado, inexistindo nos autos pedido de assistência (vide fls. 99). Impõe-se o julgamento antecipado da lide, por se tratar de matéria unicamente de direito.
Assim relatados,
DECIDO: Cuida-se de Ação Civil Pública objetivando a declaração de nulidade das cláusulas 7.1 (f) e 9 (b) das 'Condições Gerais de Cartão de Crédito', assim redigidas:
'7.1 (f) O não recebimento da Fatura não exclui sua obrigação de pagar os débitos na data de vencimento. Na hipótese de não receber a Fatura até 3 dias antes da data de vencimento, você deverá obter o saldo devedor junto ao Emissor (no site, na Central de Atendimento ou nos Caixas Eletrônicos) e seguir as instruções de pagamento que lhe serão passadas;' '9 (b) O atraso no pagamento de qualquer obrigação devidas por conta deste Contrato ou de qualquer outro produto contratado com qualquer empresa do conglomerado Itaú Unibanco poderá, ainda, ocasionar o bloqueio ou cancelamento do Cartão.'
Na cláusula 7.1 (f) não se vislumbra nenhuma violação às normas insculpidas no Código do Consumidor, convindo enfatizar que o próprio autor não imputou à ré o descumprimento da Lei Estadual nº 5190/2008, que impõe às empresas prestadoras de serviços no Estado do Rio de Janeiro a obrigação de efetuar a postagem de suas cobranças no prazo mínimo de 10 dias antecedentes à data de seu vencimento.
Como bem assinalou a ilustre Magistrada prolatora da decisão sobre o pedido de antecipação de tutela, Dra. Maria Isabel Paes Gonçalves, o autor 'não pretende fazer prova de que a ré não envia a fatura do cartão de crédito para seus clientes.
O que pretende mostrar é a ocorrência de alguns casos onde o consumidor não recebe a fatura antes do vencimento e por isso não pode efetuar o pagamento, o que faz com que a ré passe a cobrá-lo. A ré, inegavelmente, utiliza-se da empresa de Correios e Telégrafos (ECT) para enviar as faturas dos cartões aos consumidores e, nem mesmo a eficiência pública e notória desta empresa, impede que falhas ocorram, fazendo com que algumas correspondências não cheguem a seu destino no tempo previsto.
Além disso, não se pode olvidar que a ré disponibiliza outras formas de emissão imediata da segunda via da fatura, como, por exemplo, a entrega em postos de atendimento e agências bancárias; pela internet; por fax e até mesmo com a simples informação do código de barras para pagamento bancário.
O pagamento é a principal contraprestação do consumidor pelo fornecimento do serviço de cartão de crédito e não a emissão da fatura, ou seja, consciente da data de vencimento, a boa-fé objetiva não permite que o consumidor se esquive do pagamento pelo fato de não ter recebido sua fatura, se efetivamente houve o fornecimento.
Portanto, a não contraprestação pelo serviço autoriza a ré a realizar a sua cobrança, sem, contudo, confrontar com a proteção do consumidor amplamente assegurada pela Lei nº 8.078/90.' (fls. 16/17). Nesse tocante, pois, a demanda não merece prosperar. O mesmo não diga, entretanto, quanto ao pedido relativo à nulidade da cláusula 9 (b), a qual efetivamente mostra-se abusiva.
Com efeito, embora haja certa razoabilidade no argumento da ré, no sentido de que a cláusula visa evitar o superendividamento do cliente, não se pode deixar de verificar que, pela sua redação, a cláusula em questão não leva a tal entendimento, pois o que dela se infere é que o consumidor está 'nas mãos' da instituição financeira, a qualquer momento passível de ter o seu crédito suspenso ou cancelado sem muita explicação.
Se, por um lado, a concessão de crédito não é obrigação, mas faculdade da instituição financeira, por outro ela não pode, após a concessão, indiscriminadamente cancelar o crédito concedido sem que se faça presente o contexto adequado que autorizaria tal conduta.
Vale dizer, a menos que haja razão suficiente para a suspensão ou cancelamento do crédito inicialmente concedido, não se pode permitir que o banco assim o faça.
Mas, como dito acima, a redação da referida cláusula confere à instituição financeira o poder de cancelar o crédito diante de mero inadimplemento do cliente, e não diante de situações bem delineadas que caracterizem o superendividamento, a mudança de perfil de crédito, o desaparecimento da confiança necessária à mantença da concessão de crédito.
A cláusula em questão, ao contrário do que sustenta a ré, não contém a mínima especificação das situações que ensejariam a suspensão ou o rompimento do crédito, referindo-se perfunctoriamente à mora do cliente.
Tal como está redigida, a cláusula é inegavelmente abusiva, pois vincula o fornecimento do serviço de cartão de crédito ao adimplemento de outro serviço, o que gera vantagem desproporcional e exagerada à instituição financeira, em detrimento da fragilidade do consumidor, sendo, pois, nula de pleno direito, a teor do que dispõe o art. 51, inc. IV, do CDC.
De danos morais e materiais não cogito, inclusive porque o autor não indicou especificamente em que consistiriam estes, sendo certo que o tão só fato da inadequação de uma cláusula contratual não enseja perdas e danos. Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido, confirmando a tutela antecipada e declarando a nulidade da cláusula contratual 9 (b) constante nas 'Condições Gerais de Cartão de Crédito' da ré.
Deixo de condenar o réu no pagamento das custas e honorários advocatícios, por entender que o Ministério Público age por dever de ofício não equiparável à advocacia. P. R. I. Dê-se ciência ao Ministério Público.
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