segunda-feira, 31 de outubro de 2011

SENTENÇA – 3ª VARA DE JEC DE SANTOS – CANTOR “NASI” – ARREMESSO DE MICROFONE DURANTE SHOW – DANOS MORAIS.


AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, INSTRUÇÃO E JULGAMENTO
Autor: R.C.
Advogada: MARISTELA VIEIRA DANILON FREITAS - OAB/SP nº 155.727
Réu: MARCOS VALADÃO RODOLFO
Advogado: Victor Antony Ferrari - OAB/SP nº 261.491 (presente)
Réu: SESC SANTOS – PREPOSTO REINALDO TERRUEL
Advogado: CHAYA TAHA MEI- OAB/SP nº 212.118

Aos 06 de outubro de 2011, às 14:30 horas, na sala de audiências desta 3ª Vara do Juizado Especial Cível da Comarca de Santos, sob a presidência do Excelentíssimo Juiz de Direito AFONSO DE BARROS FARO JÚNIOR, compareceram as partes supra qualificadas, acompanhadas de seus respectivos advogados. Pelos patronos dos réus foram juntados, neste ato, documentos de representação processual, a tentativa de conciliação restou infrutífera.

Pelos patronos dos réus foram apresentadas contestações escritas, o que foi recebido pelo MM. Juiz dando ciência à parte contrária, que se manifestou nos seguintes termos: “Reitero os termos da inicial.”

Pelo Mm. Juiz foi dito: “Quanto à preliminar do SESC, fica afastada, porque responde, em tese, pelo direito reclamado. Perante o autor, na situação da compra de ingresso para determinado show, o Código de Defesa Consumidor é aplicável e tendo sido realizado no estabelecimento desta ré, há o seu envolvimento, ao menos em tese, quanto à eventuais danos provocados no tomador do serviço. O réu Marcos impugnou o valor da causa, atribuído pelo autor em R$ 1.000,00. Mas existe pedido certo condenatório de 40 salário mínimos, considerado o valor de cada um na data da propositura da ação, valor do teto do Juizado. Acolho então, a impugnação para elevar o valor da causa ao correspondente em reais.

Mas não acolho a preliminar de incompetência, uma vez que a prova pericial não parece ser necessária e indispensável, podendo haver a demonstração dos fatos por outra espécies de provas, como a oral e documental. Inicialmente, indefiro a oitiva da pessoa trazida pelo autor, sua esposa, impedida nos termos do art. 405, § 2º, I, do CPC, não podendo sequer ser ouvida como informante por não se tratar de causa relativa ao estado da pessoa ou que exija o interesse público.

A seguir, foram colhidos os depoimentos pessoais do autor, do réu Marcos e do preposto da ré SESC e das testemunhas do autor e dos réus, através de sistema digital de gravação, tendo o réu Marcos desistido da testemunha Cleyton.

Pelo MM. Juiz foi dito que:

“Vistos. Dou por encerrada a fase instrutória. Dispensado o relatório, com o permissivo do art. 38, caput, da Lei nº 9.099/95.

Passo a decidir.

Trata-se de ação de indenização por danos morais. Isso porque em show realizado pelo réu Marcos no estabelecimento da corré o microfone escapou do fio e atingiu a cabeça o requerente. Encerrada a instrução e analisados os argumentos das partes, constata-se que o acidente em si restou incontroverso, de modo que as lesões produzidas pelo arremesso do microfone geraram, com certeza danos morais ao autor.

Neste sentido é que praticamente a maioria da prova oral produzida era dispensável. É fato que em seu show o réu Marcos faz um movimento com o fio do microfone, momento em que este se desprendeu e atingiu o ator. Ainda que fosse logo típico de seu show e evidentemente não desejado, culposo, por tanto, o certo é que só se desprendeu porque não foram tomados os devidos cuidados como afirma o réu terem sido em inúmeros outros shows.

Provocada a lesão corporal de natureza grave conforme constatado pelos laudos de fls. 61 e 63, tem direito o autor à compensação pelos danos morais verificados.

Conforme maciçamente decidido pela jurisprudência, não é qualquer ilícito que gera dano moral.

O Colégio Recursal de Santos até já emitiu o Enunciado 23 neste sentido: “O simples descumprimento do dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atinja a dignidade da parte.” Assim, cada caso deve ser analisado segundo suas particularidades e verificado se foi atingido direito da personalidade da parte.

No caso em julgamento, o dano moral restou configurado, porquanto as atitudes da ré transcenderam a simples inexecução contratual. Com efeito, o autor estava em um momento para se entreter e foi atingido por um microfone, algo inusitado e que demonstra o perigo do movimento empreendido pelo réu, em que pese a habitualidade em seus shows.

A agravar ainda mais as conseqüências para a saúde do autor, restou confirmada pela testemunha por ele arrolada que já enfrentava certa restrição de possível descolamento de retina. As lesões novas por certo o deixaram mais aflito ainda até ter certeza que não experimentaria maiores conseqüências. Além disso tudo, ficou alguns dias sem trabalhar, não se olvidando do tempo razoavelmente longo até a cura total, bem como a necessidade de instaurar de inquérito policial para a apuração das responsabilidades.

Configurado o dano moral, resta a sua quantificação.

O valor a ser fixado pelo Juiz não deve representar enriquecimento indevido da parte e nem valor que não repare razoavelmente o dano. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência indicam parâmetros relativos à pessoa da vítima e as circunstâncias do fato para se estabelecer o valor devido.

Levando-se em conta a atividade do autor, o tempo transcorrido para a solução completa do problema e as conseqüências, a indenização deve ser de R$ 14.000,00, não se olvidando, por fim, o caráter pedagógico de tal imposição.

Bem se constata pela fundamentação supra que a fundamentação jurídica decorre do Código Civil (art. 186), não se aplicando, à evidência, o CDC. Apenas se vislumbra relação de consumo entre o autor e o SESC. Quanto a este réu, a ação é improcedente, como sustentado na defesa.

De fato, agora que bem apurado os fatos se conclui que há culpa exclusiva de terceiro, o réu Marcos, de sorte a não responder o SESC na forma do art. 14, parágrafo 3º, II, do CDC.

A causa dos danos provocados o autor decorreu exclusivamente da conduta do réu Marcos.

Isto posto, julgo IMPROCEDENTE a ação nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil, em relação ao réu SESC e PROCEDENTE quanto ao réu Marcos para condená-lo ao pagamento da importância de R$ 14.000,00 a titulo de reparação pelos danos morais causados ao autor, com juros de 1% ao mês a contar da citação e correção monetária a partir de hoje pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Deixo de condenar a parte sucumbente ao pagamento das custas processuais, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95.

Saem as partes cientes e intimadas da sentença, publicada em audiência.

O prazo de recurso, a ser interposto por advogado, é de 10 (dez) dias contados da ciência da sentença, devendo o preparo ser recolhido nas 48 (quarenta e oito) horas seguintes à interposição, independente de intimação (artigo 42, § 1º da Lei nº 9.099/95).

Nos termos do art. 72, “a”, “b” e “c” do Provimento nº 1.670/09 do Conselho Superior da Magistratura, de 17/09/20009, o preparo recursal, a ser recolhido em até 48 horas após a interposição do recurso, corresponderá a 1% do valor da causa, cujo mínimo não pode ser inferior a 5 (cinco) UFESPs, além de outros 2% do valor da causa ou da condenação conforme as hipóteses dos autos, respeitados também o mínimo de 5 (cinco) UFESPs.

Caso pretenda obter cópia das gravações realizadas nesta data, deverá a parte interessada providenciar uma mídia (“pen drive”) para transposição do(s) depoimento(s), no período máximo de 48 horas a contar desta data, ressaltando-se que tal providência não suspende ou interrompe o prazo recursal (artigo 44 da Lei nº 9.099/95 e inciso 19.1 do Provimento nº 1670/2009 do CSM). P.R.I.”

O advogado do réu Marcos foi formulado o seguinte requerimento:”Dado o caráter público da pessoa do réu vem requerer o segredo de justiça demais prejuízos por conta de informações deste processo por pessoa não ligadas a causa. Termos que pede deferimento”.

Dada a palavra a advogada do autor esta se manifestou nos seguintes termos: “O autor descorda do pedido formulado, haja vista o nome do réu não ser conhecido publicamente somente o apelido “Nasi”, sendo que a publicidade não gerará maiores prejuízos. Alega também falta de amparo legal para tal requerimento”. Pelo MM. Juiz foi dito: “Indefiro o requerimento por falta de amparo legal. O conhecimento da parte do processo pelo público em geral mão é uma das exceções o art. 155 do CPC.”

SENTENÇA – 1ª VARA FEDERAL – PORTO ALEGRE – HOSPITAL DE CLÍNICAS – ATENDIMENTO A CONVÊNIOS – EMPRESA PÚBLICA


AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2009.71.00.003341-4/RS
AUTOR MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ADVOGADO ANA PAULA CARVALHO DE MEDEIROS
RÉUHOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE
ADVOGADO JAIRO HENRIQUE GONCALVES
MAURO ALMEIDA DE BARROS
RÉU MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE
ADVOGADO BETHANIA REGINA PEDERNEIRAS FLACH
RÉU ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADO DEA MARA RIBEIRO LIMA
RÉU UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO


SENTENÇA



I – Relatório

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação civil, com pedido de tutela antecipada, contra o HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE, o MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e a UNIÃO, objetivando provimento judicial que condene os réus nos seguintes termos: "d.1) ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre para que: d.1.1) se abstenha de prestar serviços e dedicar leitos hospitalares a pacientes particulares ou por meio de convênios privados de saúde, disponibilizando toda sua capacidade operacional e leitos ao Sistema Único de Saúde; d.1.2) se abstenha de receber recursos que não sejam provenientes do Sistema Único de Saúde ou de orçamentos públicos, excetuadas verbas decorrentes de atividades de pesquisa; d.2) ao Município de Porto Alegre para que: d.2.1) efetue a contraprestação por serviços prestados ao SUS no Hospital de Clínicas de Porto Alegre na forma contratual;d.2.2) se abstenha de contratar na rede privada de saúde serviços que, a partir do cumprimento do item d.1.1, estejam disponíveis no Hospital de Clínicas, direcionando-os ao Hospital demandado; d.3) ao Estado do Rio Grande do Sul para que: d.3.1) se abstenha de contratar na rede privada de saúde serviços de alta complexidade disponíveis no Hospital de Clínicas de Porto Alegre; d.3.2) se abstenha de repassar recursos a Municípios para contratação na rede privada de saúde de serviços de alta complexidade disponíveis no Hospital de Clínicas; d.3.3) reorganize a distribuição de serviços de alta complexidade no Estado, com o remanejamento dos limites financeiros dos Municípios, para que não reste capacidade ociosa no Hospital de Clínicas; d.4) à União para que audite anualmente o cumprimento das obrigações impostas ao Hospital de Clínicas, ao Município de Porto Alegre e ao Estado do Rio Grande do Sul".

Defendeu o autor a sua legitimidade ativa para a causa e discorreu sobre a carência em Porto Alegre e no Estado do Rio Grande do Sul de leitos para internação hospitalar, bem como sobre as extensas listas de espera para realização de exames e cirurgias pelo Sistema Único de Saúde. Destacou, especialmente, que no Hospital de Clínicas de Porto Alegre há internações na emergência do Hospital por falta de leitos, há lista de espera de 6 a 8 meses para a realização de exames radiológicos e uma cirurgia eletiva pode aguardar anos para sua concretização. Insurgiu-se, desta forma, contra a reserva de parteda capacidade operacional do Hospital réu a pacientes particulares e de convênios privados, ressaltando que tal sistema seria duplamente nocivo ao interesse da saúde, visto que impediria que os serviços sejam direcionados a quem deles efetivamente necessitaria e tornaria promíscua a relação existente entre o público e o privado, fazendo com que uma estrutura pública deficitária seja destinada ao setor privado, em prejuízo aos usuários do SUS. Discordou da alegação de que o "privado sustenta o público", na medida em que, embora os procedimentos pagos por convênios e particulares garantam alguma remuneração ao réu, a estrutura pública do hospital seria custeada por recursos públicos incomparavelmente superiores. Para tanto, apontou, em percentuais, a arrecadação do Hospital quanto aos investimentos públicos e privados e os correspondentes procedimentos médicos realizados, destacando algumas especialidades em que a demanda privada seria elevada. Destacou, ademais, a posição do Ministério da Saúde, do Conselho Estadual de Saúde, do Conselho Municipal de Saúde e do Conselho Nacional de Saúde, em reprovar a utilização dos hospitais públicos por pacientes particulares e de convênios privados. Asseverou ser dever do Estado dedicar toda sua estrutura ao regime público de saúde, apoiando-se na iniciativa privada apenas de forma complementar.

Relatou que com base em ato normativo editado pelo Ministério da Educação e Ministério da Saúde (Portaria Interministerial MEC/MS 1000/04), que instituiu novos requisitos para certificação de nosocômios como hospitais de ensino, o Município de Porto Alegre e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre firmaram contrato que prevê repasse de recursos públicos adicionais ao hospital, com o compromisso deste de que, no prazo de quatro anos, passasse a dedicar 100% dos leitos ativos e dos procedimentos médicos praticados ao Sistema Único de Saúde. Contudo, passado o período de quatro anos, o hospital réu ainda prestaria serviços médicos privados e desta forma pretende permanecer, descumprindo com o que se obrigou e em prejuízo ao direito à saúde da população usuária do SUS. Neste aspecto, denunciou que o gestor municipal estaria inerte, repassando recursos do Ministério da Saúde ao hospital sem exigir o cumprimento do contrato e comprando dos hospitais privados serviços que deveriam ser adquiridos do hospital réu. Da mesma forma afirmou que o Estado do Rio Grande do Sul estaria adquirindo de hospitais privados serviços de alta complexidade que deveriam ser comprados, via Município de Porto Alegre, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, já que seria de sua responsabilidade definir os limites financeiros de assistência dos Municípios, nos termos da Norma Operacional de Assistência à Saúde - NOAS-SUS 01/02. Destacou a omissão da União em exigir do hospital réu a prestação de serviços assistenciais exclusivamente aos pacientes do SUS, principalmente no que toca aos serviços de alta complexidade, eximindo-se do seu dever de fiscalização.

Sustentou que o Sistema Único de Saúde tem como seus princípios mais caros a universalidade e a igualdade, nos termos do art. 196 da Constituição Federal e do art. 7º, IV, da Lei nº 8080/90, o que importa reconhecer que o atendimento a pacientes particulares e de convênios no Hospital de Clínicas de Porto Alegre constitui privilégio inaceitável. Disse ser incorreta a interpretação dada pelo hospital réu ao texto do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 5.604/70, o qual não legitimaria a prestação de serviços a pacientes particulares, mesmo porque superado este entendimento com as inovações legislativas posteriores, em especial as trazidas pela Constituição. Destacou, ademais, que o próprio hospital obrigou-se, por contrato firmado em outubro de 2004, a atender pacientes exclusivamente do Sistema Único de Saúde, obtendo para tanto, significativo aporte de recursos financeiros. Asseverou que a situação tratada nos autos seria assemelhada a outra já discutida judicialmente, que enfrentou a questão de "diferenças de classe" nas internações hospitalares pelo SUS, na medida que o paciente particular ou de convênio também se utilizaria de recursos públicos para o seu tratamento.

Ressaltou o descumprimento pelo réu da Portaria MEC/MS 1.000/04, mesmo tendo requerido a sua certificação como hospital de ensino e se obrigado por contrato a atingir, em quatro anos, o percentual de 100% na destinação de leitos e de procedimentos praticados ao Sistema Único de Saúde. Tal comprometimento também estaria previsto, como condição de repasse de recursos do Ministério da Saúde, pela Portaria MEC/MS 1.006/04. Destacou que embora a Portaria MEC/MS 1.000/04 tivesse sido revogada pela Portaria MEC/MS 2.400/07, esta última reeditou o requisito de dedicação exclusiva ao SUS, inclusive reduzindo o prazo de adequação de quatro para dois anos. Esclareceu, por último, que o objeto da demanda em nada impede o hospital réu de realizar sua missão principal de ensino e pesquisa, pretendendo, tão-somente que, no quesito assistência, dedique-se integralmente ao SUS.

Foi exarada decisão excluindo do pólo passivo da lide o Estado do Rio Grande do Sul e a União, e postergando o exame do pedido de antecipação de tutela para após a instauração do contraditório (fls. 31/33).

O Ministério Público Federal interpôs recurso de agravo de instrumento (fls. 36/52), ao qual foi dado provimento pelo TRF da 4ª Região (fls. 56/60).

Citado, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre apresentou contestação (fls. 67/96), alegando que a pretensão deduzida na inicial ofenderia o postulado da separação dos poderes previsto no art. 2º da Constituição Federal. Destacou que o Sistema Único de Saúde é financiado pelos três entes da federação, sendo solidária sua responsabilidade. Disse se constituir em empresa pública que seria apenas conveniada ao SUS, salientando que a forma de acesso dos pacientes aos hospitais conveniados é definida de acordo com os critérios estabelecidos pelo gestor do sistema (Município). Defendeu que mesmo fazendo parte da administração indireta da União, possuiria autonomia administrativa e financeira, o que viabilizaria a forma em que é operacionalizado o atendimento no hospital, seja pela via particular ou por via dos convênios, salientando que não estaria obrigado a acatar a abstenção pretendida pelo autor diante da ausência de qualquer amparo constitucional ou legal. Defendeu, ainda, que o próprio art. 45 da Lei nº 8.080/90 ressalvaria a autonomia administrativa dos hospitais universitários em relação ao patrimônio, aos recursos humanos e financeiros, ensino, pesquisa e extensão nos limites conferidos pelas instituições a que estejam vinculados. Ressaltou que, nos termos do art. 2º da Lei nº 5.604/70, a sua função não se esgotaria na prestação de serviços à saúde, mas, também, pelo reconhecimento como instituição federal de ensino superior (IFES) pelo Ministério da Educação (art. 1º da Lei nº 8.958/94), a quem está vinculado.

No que concerne à contratação com o Município de Porto Alegre, especialmente quanto à sua cláusula segunda, VIII, afirmou que a Portaria Interministerial 1000/04 estaria revogada desde 2007, e insurgiu-se contra a interpretação dada na inicial à Portaria Interministerial 2.400/07, que substituiu a primeira. Sustentou inexistir obrigação contratual quanto à totalidade do atendimento do hospital ao SUS, mas apenas o estabelecimento de metas de produção, ao que o órgão gestor se comprometeria a pagar um valor máximo (valor de teto) pela produção do contratado. Assim, cada unidade hospitalar receberia uma quota máxima de recursos financeiros. Asseverou que a interpretação correta para os cem por cento destinados à assistência se constituiria na obrigação do hospital em cumprir integralmente a meta pactuada entre as partes. Tratar-se-ia de contrato de gestão cujo objetivo seria conceder maior autonomia à entidade contratada para atingir as metas estipuladas. Defendeu que a interpretação desses contratos, como os critérios estabelecidos para o cumprimento das metas, estaria vedada ao Poder Judiciário. Destacou que o hospital excede à meta de produção proposta pelo Município de Porto Alegre, sem que receba qualquer remuneração por esta produção extra. Salientou que o próprio gestor não quer atendimento exclusivo ao SUS pelo hospital, pois não haveria orçamento para tanto. Sustentou inexistir dano ao usuário do SUS no hospital, justamente em razão do aporte financeiro combatido na inicial, discorrendo especialmente sobre os serviços de emergência prestados no hospital que se beneficiaram dos referidos recursos. Reputou falsa a alegação de existência de dupla porta ou preterição no atendimento do hospital, destacando que menos de 12% da capacidade de assistência está disponível para convênios e particulares. Discorreu sobre sua estrutura e os serviços prestados pelo hospital e defendeu o seu modelo de gestão, visto ser uma alternativa de captação de recursos e de mais uma fonte para complementar o financiamento do serviço publico. Tal modelo de gestão não fere o princípio da universalidade. Assinalou o perigo na mudança de modelo proposta na inicial, no que se refere ao sucateamento da estrutura do hospital, com prejuízos aos usuários do SUS e à própria área de pesquisa ali desenvolvida. Destacou que o Tribunal de Contas da União aprovou o referido modelo. Requereu, ao final, a isenção de custas e o benefício da assistência judiciária gratuita. Juntou documentos (fls. 97/617).

Citado, o Estado do Rio Grande do Sul apresentou contestação (fls. 619/647), argüindo preliminar de ilegitimidade passiva para a causa, visto que o Hospital de Clínicas de Porto Alegre estaria sob o regime de Gestão Plena do Município de Porto Alegre, ao qual caberia a fiscalização dos serviços prestados e dos repasses financeiros no âmbito do SUS. No mérito, pugnou pela improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 625/629).

Citada, a União apresentou contestação (fls. 630/647), argüindo preliminares de impossibilidade jurídica do pedido, ausência de interesse de agir e de ilegitimidade passiva para a causa. No mérito, relatou que com base em informações da Coordenadoria Geral de Atenção Hospitalar do Departamento de Atenção Especializada da Secretaria de Atenção do Ministério da Saúde, a certificação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre teria sido prorrogada até junho de 2009, consoante Portaria Interministerial MEC/MS nº 44/2009. Disse que a Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação não possuiria nenhum conhecimento de irregularidades ocorridas no hospital, destacando que nos termos da Portaria Interministerial nº 2.400/2007 este teria o prazo até 2010 para efetuar a migração da totalidade de seus atendimentos para o Sistema Único de Saúde. Informou, ademais, que inexistiriam notificações acerca da existência de capacidade ociosa no hospital em relação a procedimentos de alta complexidade. Defendeu, desta forma, a ausência de omissão administrativa a ensejar a condenação obrigacional. Aduziu que a fiscalização dos repasses dos recursos públicos federal pela União aos demais entes da federação se dá pelo sistema de controle interno de cada poder e pelo controle externo a cargo do Tribunal de Contas da União e do Congresso Nacional, nos termos do art. 71 da Constituição Federal. No âmbito interno, a Lei nº 10.683/2002 imporia o encargo à Controladoria-Geral da União. Asseverou que no âmbito do SUS não deteria competência para a execução direta de serviços de saúde e, por conseqüência, não estaria apta a fiscalizar a referida execução pelos órgãos partícipes. Sustentou que nos termos do art. 18, I, da Lei nº 8.080/90, seria competente a direção municipal do Sistema Único de Saúde para executar os serviços públicos de saúde, com apoio técnico e financeiro da direção estadual. Defendeu que eventual decisão de procedência suprimiria a competência do Tribunal de Contas da União. Salientou, ao final, que não haveria notícia de malversação de recursos públicos destinados ao hospital, tampouco responsabilidade da União. Propugnou pela improcedência da ação. Juntou documentos (648/662).

Citado, o Município de Porto Alegre contestou discorrendo acerca da municipalização do Sistema Único de Saúde até que, no ano de 1996, tornou-se gestor pleno de saúde. Esclareceu que não se opõe à pretensão de ver o Hospital réu dedicar de forma integral a prestação de seus serviços ao Sistema Único de Saúde, desde que haja a correspondente fonte de custeio por verbas federais, o que não ocorreria no momento. Disse que a contraprestação pelos serviços realizados pelo Hospital ao SUS é feita diretamente pelo Ministério da Saúde, que desconta 16% das verbas destinadas ao Município e os repassa diretamente ao Hospital. Sustentou ser inviável o acolhimento do pedido deduzido na inicial quanto à não aquisição de leitos da rede privada, tendo em conta que 88% destes são destinados a pacientes psiquiátricos, estrutura esta não disponível no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (fls. 664/669).

Réplica às fls. 706/728.

Realizada audiência, restou inexitosa a conciliação (fls. 758/759).

Após a juntada de manifestações e de documentos pelas partes e de requerimento de produção de prova testemunhal e de inspeção judicial pelo réu Hospital de Clínicas de Porto Alegre, foi proferida decisão indeferindo o pedido de antecipação de tutela, assim como da prova requerida (fls. 856).

O réu Hospital de Clínicas de Porto Alegre interpôs agravo retido da referida decisão e juntou documentos (fls. 858/859). O Ministério Público Federal apresentou manifestação (fls. 875/876), bem como contrarrazões de recurso (fls. 880/883).

A União apresentou manifestação declinando o seu desinteresse em contrarrazoar o recurso do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, destacando o extravio de peça que acompanhava sua contestação (fl. 886). A Secretaria deste Juízo lançou certidão dando conta da ausência de extravio da referida peça, que havia sido juntada aos autos fora da ordem (fl. 888).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

II - Fundamentação
2.1 Preliminares

2.1.1. Ilegitimidade passiva para a causa da União e do Estado do Rio Grande do Sul

A matéria sobre a legitimidade para a causa da União e do Estado do Rio Grande do Sul já restou enfrentada pelo TRF da 4ª Região, consoante os termos do acórdão a seguir ementado:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. DISPONIBILIZAÇÃO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE DOS LEITOS E SERVIÇOS ATUALMENTE DESTINADOS AOS PACIENTES PARTICULARES E CONVÊNIOS PRIVADOS. PLENA CAPACIDADE DO HOSPITAL DE CLÍNICAS INTEGRALMENTE CONTRATADA PELO SUS.
1. O feito envolve, ademais da questão meramente contratual, o descumprimento de preceitos constitucionais e legais pelos três Entes da Federação envolvidos, que não estariam atendendo aos deveres de bem organizar o Sistema Único de Saúde - competência comum de Município, Estado e União, cada qual com suas atribuições, que são interligadas, ainda que específicas - e de zelar por princípios como o do tratamento igualitário dos usuários de serviços de saúde (diante da diferenciação alegadamente feita no atendimento aos usuários do SUS e aos pacientes particulares ou beneficiários de planos de saúde privados) e o da atuação meramente suplementar da iniciativa privada na prestação pública de tais serviços (diante da contratação, pelo SUS, de procedimentos junto a instituições privadas, enquanto o HCPA, público que é, não se dedica exclusivamente ao atendimento no âmbito do Sistema Único).
2. Como se extrai dos dispositivos da Constituição Federal, da Lei nº 8.080/1990 e dos atos normativos dos Ministérios da Saúde e da Educação, bem assim da remansosa jurisprudência admitindo o litisconsórcio passivo entre os Entes Federados quanto a questões de saúde -, não se afigura correta a exclusão liminar de tais Entes da lide, como se ilegítimos ad causam fossem.
3. Não verifico a ilegitimidade passiva da União Federal e do Estado do Rio Grande do Sul para a causa, devendo-se apreciar a efetiva existência dos deveres e obrigações a eles imputados após suas respostas e a instrução probatória do feito, em decisão de mérito.
4. Demonstrada a relevância dos fundamentos apresentados pelo agravante, sendo evidente, o periculum in mora no provimento por ele buscado, uma vez que a falta de citação dos Entes excluídos poderá acarretar futura nulidade dos atos praticados sem sua presença e, como referido pelo Órgão Ministerial, inviabilizar o cumprimento de antecipação de tutela eventualmente concedida na ação civil pública. (TRF da 4ª Região; AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.004076-1/RS; RELATORA: Des. Federal MARGA INGE BARTH; DJ de 26/05/2009.)

Assim, deve ser afastada a preliminar suscitada.

2.1.2 Impossibilidade Jurídica do pedido

Aduz a União a impossibilidade jurídica do pedido, seja pela sua natureza condicional, o que estaria vedado pelo art. 286 do CPC, seja por não restar comprovada a alegada omissão administrativa, além de atentar contra o princípio da independência e da harmonia entre os poderes, insculpido no art. 2º da Constituição Federal.

O processo é o instrumento do qual o jurisdicionado se vale para buscar a solução do conflito pelo Estado. Havendo pretensão resistida ao direito material almejado e não sendo este negado pelo ordenamento jurídico, nasce para o titular do direito material o interesse de agir, podendo, assim, postular em juízo a tutela jurisdicional.

Dessa forma, pode-se dizer "que o pedido é possível juridicamente quando o ordenamento não o proíbe expressamente. Em outras palavras, pedido possível é aquele que é permitido ou, ao menos, não proibido pela lei" (Nelson Nery Júnior, "Condições da Ação", RP 64/17); ou ainda: "pela possibilidade jurídica, indica-se a exigência de que deva existir, abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de providência como a que se pede através da ação." (Humberto Theodoro Júnior, "Processo de Conhecimento", p. 71).

Como assevera Walter Nunes da Silva, "a fim de verificar a adequação da pretensão ao direito material, o juiz não precisa adentrar na análise do mérito. Basta, tão-somente, analisar se a pretensão é possível de ser atendida". ("Condições da Ação e Pressupostos Processuais", RP 64/76).

No caso em tela, embora inicialmente este juízo tenha reputado condicional o pedido deduzido em relação à União, já que seu provimento dependeria da procedência da ação contra o réu Hospital de Clínicas de Porto Alegre, mormente porque a discussão da causa limitava-se ao descumprimento do contrato entabulado com o Município de Porto Alegre, há que se considerar os termos do acórdão acima transcrito, que julgou a União parte legítima para a causa em razão da solidariedade existente entre os três entes da federação para as causas concernentes à saúde. Da mesma forma, a alegação quanto à impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário no caso concreto, tendo em conta a independência dos poderes, constituição em matéria que se confunde com o próprio mérito da causa, devendo aí ser objeto de melhor análise, mormente diante das alegações constantes na inicial de descumprimento de preceitos constitucionais e legais pela União.

Destarte, nos termos do referido precedente, assim como das lições doutrinárias antes referidas, deve ser afastada a preliminar suscitada.

2.1.3. Ausência de interesse de agir

Sustenta a União a ausência de interesse de agir do autor em razão da prorrogação da certificação do Hospital réu até 08/01/2009, sendo que este, nos termos da Portaria Interministerial 2.400/07, teria prazo até o ano de 2010 para implementar a migração para um percentual de 100% de atendimento ao Sistema Único de Saúde.

Deve ser afastada a preliminar suscitada, tendo em conta a alegação constante na inicial de omissão da União quanto à fiscalização no que concerne ao compromisso firmado pelo hospital de atingir o referido percentual. Sustenta o Ministério Público em sua réplica, ainda, que a indigitada portaria não fez por prorrogar o prazo do compromisso firmado pelo hospital réu, mas propiciar que outras entidades requeressem a certificação, sendo a estas destinadas os prazos ali previstos e não às entidades já certificadas e que haviam contratado com o poder público. Há que se ponderar, desta forma, que a aplicação e o exame acerca do cumprimento dos atos normativos que envolvem a certificação do hospital réu dizem respeito ao mérito da causa e nele deverão ser enfrentados.

2.2 – Mérito

A controvérsia estabelecida na presente demanda cinge-se à pretensão deduzida na inicial para que o réu Hospital de Clínicas de Porto Alegre se abstenha de prestar serviços e dedicar leitos hospitalares a pacientes particulares ou por meio de convênios privados de saúde, e que passe a disponibilizar toda sua capacidade operacional e leitos ao Sistema Único de Saúde. Objetiva a presente ação civil pública, ainda, que o réu se abstenha de receber recursos que não sejam provenientes do Sistema Único de Saúde ou de orçamentos públicos, excetuadas verbas decorrentes de atividades de pesquisa. Para atingir tais pretensões, pleiteia o autor, ademais, que os entes da federação, Município de Porto Alegre e Estado do Rio Grande do Sul, realoquem verbas a fim de que seja absorvida a demanda própria decorrente do atendimento integral ao Sistema Único de Saúde, bem como para que a União fiscalize o cumprimento do julgado.

Contrariamente à tese defendida na inicial, o réu Hospital de Clínicas de Porto Alegre defende que é constituído sob a forma de empresa pública e que seria apenas conveniado ao SUS, salientando que a forma de acesso dos pacientes aos hospitais conveniados é definida de acordo com os critérios estabelecidos pelo gestor do sistema, no caso o Município de Porto Alegre. Defendeu, além disso, que mesmo fazendo parte da administração indireta da União, possuiria autonomia administrativa e financeira, o que viabilizaria a forma em que é operacionalizado o atendimento no hospital, seja pela via particular ou por via dos convênios, salientando que não estaria obrigado a acatar a abstenção pretendida pelo Ministério Público Federal diante da ausência de qualquer amparo constitucional ou legal.

Como defendido pelo réu, no que concerne às empresas públicas, vê-se que o art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal estabeleceu:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (grifado, incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

No que diz respeito às ações e serviços de saúde, também dispôs a Constituição Federal:

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Nesse aspecto, não há descompasso entre as regras constitucionais e o estabelecido na Lei nº 5.604/70, que restou recepcionada pela Constituição:

Art 1º Fica o Poder Executivo autorizado a constituir a emprêsa pública "Hospital de Clínicas de Pôrto Alegre", de sigla HCPA, dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e autonomia administrativa, vinculada à supervisão do Ministério da Educação e Cultura.

Parágrafo único. O HCPA terá sede e fôro na cidade de Pôrto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul.

Art 2º O HCPA terá por objetivo:

a) administrar e executar serviços de assistência médico-hospitalar;
b) prestar serviços à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a outras instituições e à comunidade, mediante as condições que forem fixadas pelo Estatuto.
c) servir como área hospitalar para as atividades da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
d) cooperar na execução dos planos de ensino das demais unidades da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cuja vinculação com problemas de saúde ou com outros aspectos da atividade do Hospital torne desejável essa colaboração.
e) promover a realização de pesquisas científicas e tecnológicas (grifado).
Parágrafo único. No seu objetivo de prestar assistência médica a Emprêsa dará preferência à celebração de convênios com entidades públicas e privadas, da comunidade (grifado).

Sendo assim, há quarenta anos vem o hospital réu utilizando um sistema misto de prestação de serviços médicos hospitalares, pertencendo tanto à rede pública, por meio de convênio com o Sistema Único de Saúde, de onde provém a maior parte de suas receitas (mais de 80%), mormente após a contratualização discutida na inicial, quando se verifica que a produção assistencial obteve significativo aumento (fls. 268/270), quanto por meio de convênios públicos e privados, além de atendimentos a particulares. Quanto ao perfil assistencial, o hospital atinge o percentual de 88,37% de internações pelo Sistema Único de Saúde, percentual este sensivelmente superior aquele obtido na rede privada conveniada ao SUS, normalmente em torno de 60 a 70%. Quanto às internações oriundas dos demais convênios públicos e privados, assim como as particulares, o percentual alcança quase 12%. Neste aspecto chama atenção o fato de que o acórdão do Tribunal de Contas da União juntado aos autos às fls. 175/185, no julgamento da prestação de contas do hospital correspondente ao ano de 2005, dá conta de que a receita dos convênios e particulares atingiria o percentual de 20% de seu faturamento, o que parece ter se reduzido ao longo dos anos, consoante apontam a inicial e os demonstrativos trazidos pelo réu, talvez em razão de que justamente o atendimento ao Sistema Único de Saúde tenha se intensificado.

Constata-se, desta forma, que, efetivamente, a função do hospital não se esgotaria na prestação de serviços à saúde, mas, também, como instituição federal de ensino superior (IFES) pelo Ministério da Educação a quem estaria vinculado. Neste sentido é o reconhecimento do Ministério da Educação, que por meio da Secretaria de Educação Superior, ao se pronunciar em resposta ao Ministério Público Federal (fls. 1147/1149 do Anexo I, Volume 5º do Inquérito Civil que instrui a presente demanda):

"...e) O HCPA é uma empresa pública de direito privado integrante da rede de hospitais universitários do MEC, cuja missão é a assistência, ensino e a pesquisa em saúde. É responsável por serviços de grande relevância social e qualidade reconhecida por meio de diversas premiações em diferentes instâncias, tanto em avaliações de entidades governamentais e privadas quanto em pesquisas realizadas junto à Comunidade.
Hospital público, geral e universitário, o HCPA atende em cerca de 60 especialidades, disponibilizando desde os procedimentos mais simples até os mais complexos a uma clientela formada, prioritariamente, por pacientes do SUS.

Vinculado academicamente à UFRGS, o HCPA coloca toda sua estrutura à disposição para o desenvolvimento de atividades de ensino nos níveis médio, de graduação e pós-graduação, contribuindo para a formação de profissionais, e desenvolve pesquisas biomédicas, clínicas e epidemiológicas, que contribuem para o desenvolvimento e a disseminação de conhecimentos em diversos programas de pós-graduação.

No 1º semestre de 2007 realizou 296.766 consultas, 17.600 cirurgias, 14.019 internações, 181.190 exames (laboratoriais e radiológicos), 1.795 partos e 87 transplantes (fígado, medula e pâncreas).

Para tal, conta com uma ampla infra-estrutura (entre recursos humanos e instalações físicas), composta por, entre outras coisas, 4.173 funcionários, 266 professores da UFRGS, 331 médicos residentes, 125.256,38 m² de área construída, 744 leitos (hospitalares e de UTI) e 144 consultórios."

Nesse passo, cabe assinalar que no âmbito federal o Poder Executivo tem rendido homenagens à gestão do hospital réu, cujas práticas de gestão devem ser utilizadas como referência para o projeto "Aplicativos de Gestão para Hospitais Universitários", desenvolvido pelo MEC, tendo este modelo servido de inspiração para a elaboração do Projeto de Lei 1749/11, em substituição da Medida Provisória nº 520/2010, a qual criava a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), consoante noticia a imprensa oficial. (www.camara.gov.br\notícias\Agência Câmara).

Como assinalado em sua exposição de motivos, "o projeto propõe nova modelagem jurídico-institucional para as atividades e os serviços públicos de assistência médico hospitalar e ambulatorial executados pelos hospitais das universidades públicas federais, com o objetivo de viabilizar um modelo de gestão mais ágil, eficiente e compatível com as competências executivas desses hospitais", afirma, ainda, que a "dupla finalidade pública - de assistência direta à população e de apoio ao ensino e à pesquisa das universidades os diferenciam dos demais hospitais públicos e concede maior complexidade à sua gestão, que exige nível de agilidade, flexibilidade e dinamismo incompatíveis com as limitações impostas pelo regime jurídico de direito público próprio da administração direta e das autarquias( ...)."

Prossegue, discorrendo que "a solução proposta tem precedentes nas experiências de autonomia na forma de empresa pública adotadas nos casos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA, empresa pública federal, vinculada ao Ministério da Educação - MEC e do Grupo Hospitalar Conceição - GHC, sociedade de economia mista vinculada ao Ministério da Saúde - MS. Tratam-se de instituições dotadas de autonomia administrativa e orçamentária, gestão profissionalizada e mecanismos de governança colegiada que promovem a sua inserção estratégica no ambiente de atuação e na administração pública."

Cabe destacar, como ponderado pelo Hospital de Clínicas (fls. 74), que esta solução, responsável pelo êxito da instituição ré, foi vislumbrada há mais de quarenta anos pelo então Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Professor Eduardo Faraco, e explicitada na exposição de motivos da Lei 5.604/70, in verbis:

"Resta, assim, como única solução, a forma jurídica de empresa pública.
Esta, parece-nos adaptar-se perfeitamente aos fins visados pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre, permitindo que sua administração se processe de maneira simples e eficiente, servindo ao mesmo tempo a suas finalidades de suporte de ensino médico na Universidade, de assistência médico-hospitalar gratuita a número razoável de pacientes da comunidade, de cooperar nos planos de ensino de outras profissões vinculadas aos problemas de saúde e de promover a realização de pesquisas científicas e tecnológicas, além de atender no setor médico hospitalar, com remuneração e mediante convênios e contratos, assistidos do INPS ou de outras associações públicas e privadas, bem como pacientes que a ele baixem para tratamento."

Considerando o quadro até aqui traçado, há que se ponderar que a peculiaridade do hospital réu que o difere dos demais hospitais públicos, em se tratando de empresa pública destinada à prestação de serviços assistenciais e de pesquisa na área de ensino, está em consonância com as garantias e diretrizes estabelecidas nos arts. 196 e 198, II, da Constituição Federal, diante da pequena parcela de atendimento destinada aos convênios e pacientes particulares, cujos recursos daí angariados são reinvestidos na própria estrutura do hospital, melhorando, por conseqüência, o atendimento aos pacientes do Sistema Único de Saúde, assim como garantindo o cumprimento de seus fins institucionais de ensino e pesquisa. Destaca-se, de qualquer maneira, a preponderância da prestação de serviço público de saúde, por meio do Sistema Único de Saúde, de caráter assistencial.

De qualquer sorte, quanto à personalidade jurídica do réu e seus fins, merece destaque o que restou assentado no parecer juntado aos autos às fls. 186/259, de lavra do jurista Ives Gandra da Silva Martins e de Fátima Fernandes Rodrigues de Souza:

"Trata-se, portanto, de empresa pública federal, entidade da administração indireta da União formada com capital que pertence integralmente à União e personalidade jurídica de direito privado.

Suas finalidades sociais abrangem atividades de dupla natureza: a saúde e a educação superior.

Embora, por tratar-se de um hospital, a dedicação à saúde pareça, à primeira vista, esgotar o seu escopo social, das atividades descritas no art. 2º da Lei instituidora, assim como da exigência legal de sua vinculação ao Ministério da Educação e Cultura deflui (art. 1º), sem nenhuma dúvida, o perfil de entidade também dedicada ao ensino superior.

Na verdade, a mencionada lei declara expressamente que o Consulente foi criado para prestar serviços à Universidade de Porto Alegre e a funcionar como braço hospitalar de sua faculdade de medicina.

Cumpre ter presente, além disso, que, ao tempo em que foi editada a lei, a administração federal era disciplinada pelo DL 200/67, que previa, no parágrafo 1º, de seu art. 4º:

"As entidades compreendidas na Administração Indireta consideram-se vinculadas ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade."

Embora se possa questionar se, entre as duas atividades a que o Consulente se dedica, alguma delas possa ser considerada principal, a lei ordenou a sua vinculação ao Ministério da Educação, razão pela qual não se pode negar sua condição de entidade dedicada ao ensino superior.

No desempenho desse escopo, o Consulente oferece treinamento prático aos alunos do curso de graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, concomitante ao entendimento de cunho assistencial à população local, pelo SUS.
...

Ainda no âmbito das atividades voltadas à educação superior, o estatuto do Consulente prevê, o desenvolvimento da atividade de pesquisas científicas e tecnológica, que realiza oferecendo Programas de Residência Médica e de Extensão.
...

Note-se que o programa de Residência Médica não é deferido à Universidade, mas ao próprio Consulente, que oferece, ainda, cursos de especialização. Nestes, a par de estudos teóricos, o médico recebe treinamento prático em áreas específicas, realiza pesquisas no campo de novas tecnologias até que atinja um grau de habilitação e de qualificação que o diferencie dos demais médicos dedicados a outras especialidades ou à clínica geral" (grifos no original).

A questão sobre a regularidade das internações junto ao hospital réu, no que concerne aos pacientes particulares e de convênio, vem sendo objeto de investigação pelo Ministério Público Federal desde o ano de 1993, conforme dão conta os documentos que instruem o Inquérito Civil Público (Anexo em 7 volumes), que culminou por desencadear a presente demanda. Neste aspecto, cabe ressaltar que, conforme Ofício nº 0347 (fls 153), da Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre, não cabe aos hospitais conveniados a marcação de primeira consulta, sendo esta competência da Central de Marcação de Consultas, administrada pelo referido gestor municipal. Contudo, vê-se que o móvel principal da ação está na alegação contida na inicial de que, com base em ato normativo editado pelo Ministério da Educação e Ministério da Saúde (Portaria Interministerial MEC/MS 1.000/04), que instituiu novos requisitos para certificação de nosocômios como hospitais de ensino, o Município de Porto Alegre e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre firmaram contrato que prevê repasse de recursos públicos adicionais ao hospital, com o compromisso deste de que, no prazo de quatro anos, passasse a dedicar 100% dos leitos ativos e dos procedimentos médicos praticados ao Sistema Único de Saúde. No entanto, passado o período de quatro anos, o hospital réu ainda prestaria serviços médicos privados e desta forma pretenderia permanecer, descumprindo com o que se obrigou e em prejuízo ao direito à saúde da população usuária do SUS.

Com efeito, a Portaria Interministerial MEC/MS 1.000/04, assim estabeleceu:

Art. 6º Estabelecer como requisitos obrigatórios para certificação como hospital de ensino o cumprimento integral dos seguintes itens:
...
XI - dedicar um mínimo de 70% da totalidade dos leitos ativos e do total dos procedimentos praticados ao Sistema Único de Saúde. Os hospitais públicos devem assumir o compromisso de ampliar gradualmente essa porcentagem, até atingir 100% num prazo de 4 anos. Todos os benefícios decorrentes das novas modalidades contratuais entre os hospitais de ensino e o SUS serão proporcionais ao número de leitos e procedimentos destinados ao SUS.
XII - regularizar e manter sob a regulação do gestor local do SUS a totalidade dos serviços contratados, de acordo com as normas operacionais vigentes no SUS;

Após, restou editada a Portaria Interministerial MEC/MS 1.006/04, criando o Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino do Ministério da Educação no Sistema Único de Saúde, dispondo:

Art. 2º Estabelecer que o Programa pressupõe as seguintes ações estratégicas, fundamentadas nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde:

...

IV - qualificação do processo de gestão hospitalar em função das necessidades e da inserção do hospital na rede do Sistema Único Saúde.

Art. 3º Estabelecer que as ações estratégicas de que trata o artigo 2º desta Portaria serão definidas e especificadas mediante processo de contratualização com estabelecimento de metas e indicadores.

§ 1º Para fins do caput deste artigo, entende-se processo de contratualização como o meio pelo qual as partes, o representante legal do hospital de ensino e o gestor local do SUS, estabelecem metas quantitativas e qualitativas do processo de atenção à saúde, de ensino e pesquisa e de gestão hospitalar que deverão ser acompanhadas e atestadas pelo Conselho Gestor da Instituição ou pela Comissão Permanente de Acompanhamento de Contratos(grifo).

...

No mesmo ato normativo, ao tratar sobre o Termo de Referência para a Contratualização entre Hospitais de Ensino e Gestores de Saúde, restou estabelecido que a "formalização da contratualização viabiliza a fixação de metas e indicadores do processo de atenção à saúde, de ensino e pesquisa e de gestão hospitalar que deverão ser acompanhados e atestados por Conselho Gestor ou Comissão Permanente de Acompanhamento de Contratos" (fl. 735). Ainda quanto às Diretrizes para Estratégia de Atenção Pactuadas entre Hospitais de Ensino e Gestores do SUS, fixou-se:

a) garantia de acesso aos serviços pactuados e contratados de forma integral e contínua, por meio de estabelecimento de metas quantitativas e qualitativas;(grifo)

b) inserção dos hospitais de ensino na rede SUS, com definição clara do perfil assistencial e da missão institucional, observando, entre outros, a hierarquização e o sistema de referência e contra-referência, como garantia de acesso à atenção integral à saúde;
...
i) manutenção, sob regulação do gestor local do SUS, da totalidade dos serviços contratados, de acordo com as normas operacionais vigentes;(grifo)

j) a abertura e prestação de novos serviços no âmbito do hospital de ensino envolverão pactuação prévia com os gestores do SUS, de acordo com a abrangência do serviço em questão;

No que concerne à Gestão Hospitalar - Metas Físicas e de Qualidade, constou do referido ato normativo:

Apresentar os aspectos centrais da gestão e dos mecanismos de gerenciamento e acompanhamento das metas físicas e de qualidade acordadas entre instituição e gestor, devendo conter:
...
e) gestão administrativo-financeira que agregue transparência ao processo gerencial da instituição, inclusive com a abertura de planilhas financeiras e de custos para acompanhamento das partes, garantindo o equilíbrio econômico-financeiro do convênio/contrato firmado e regularidade de pagamento integral e a termo de contraprestação (grifo);

f) ações que garantam, ao longo do ano, a continuidade da oferta de serviços de atenção à saúde, independentemente do desenvolvimento das atividades de ensino;
...
h) cronograma de adequação para disponibilidade de 100% dos leitos ativos do hospital de ensino público e do total dos grupos de procedimentos praticados para o SUS em até 4 anos;(grifo)
...
k) estabelecer mecanismos de acompanhamento e avaliação, com definição de indicadores, integrados a instrumento jurídico balizado no equilíbrio de direitos e obrigações entre as partes;(grifo)

Nesse contexto foi firmado convênio entre o gestor local, Município de Porto Alegre, e o hospital réu (fls. 140/148), tendo, dentre outras, as seguintes disposições:

CLÁUSULA SEGUNDA
Na execução do presente convênio, os partícipes deverão observar as seguintes condições gerais:
...
VII - estabelecimento de metas e indicadores de qualidade para todas as atividades de saúde decorrentes deste convênio;
VIII - o Hospital deve, em quatro anos, após a assinatura do presente termo , colocar à disposição do SUS, 100% destinados à assistência.

CLÁUSULA TERCEIRA
São encargos comuns dos partícipes:
...
c) elaboração de Plano Operativo;

CLÁUSULA QUARTA

São encargos dos partícipes:
I - DO HOSPITAL: cumprir todas as metas e condições especificadas no Plano Operativo, parte integrante deste convênio, e no Anexo da Portaria MS nº 1.006, item I a IV.
II - DA SECRETARIA:
a) Transferir os recursos previstos nesse convênio ao Hospital, conforme Cláusula Sexta deste termo;
...
CLÁUSULA QUINTA
O Plano Operativo Anual, parte integrante deste convênio de sua eficácia, deverá ser elaborado conjuntamente pela SECRETARIA e pelo HOSPITAL.
§ 1º O presente convênio, que será executado de acordo com o previsto no Plano Operativo Anual, deverá conter:
...
III - definição de metas físicas das internações hospitalares, atendimentos ambulatoriais, atendimentos de urgência e emergência e dos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, com seus quantitativos e fluxos de referência e contra-referência;
IV - definição das metas de qualidade;
...
CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA
Qualquer dos partícipes poderá denunciar o presente convênio, com comunicação do fato, por escrito, com antecedência mínima de 120 dias, devendo ser respeitado o andamento de atividades que não puderem ser interrompidas neste prazo ou que possam causar prejuízos à saúde da população, quando então será respeitado o prazo de 180 dias para encerramento deste convênio.

A partir de então a execução do convênio se deu de acordo com o Plano Operativo elaborado pelo gestor do SUS, no caso o Município de Porto Alegre, e o hospital réu, com a definição de metas, consoante disposto na cláusula quinta acima descrita. Neste aspecto, mostra-se relevante a defesa quando afirma que sempre cumpriu as metas exigidas pelo gestor, inclusive com a superação destas sem o correspondente custeio, afirmação esta que não restou contraditada nos autos. Aliás, esta é uma queixa antiga do hospital em relação ao gestor, como se vê da manifestação no Inquérito Civil no ano de 1999 (fl. 573, Anexo I, Vol. 3). Também já nos anos de 2001 e 2002 o gestor informava sobre a existência de um teto financeiro de recursos destinados ao Município para fazer frente às despesas com o Sistema Único de Saúde e que limitava o pagamento das faturas aos hospitais conveniados, confirmando a alegação do hospital réu de que excedia os procedimentos contratados (fls. 648/649, Anexo I, Vol. 3), e de que seria inviável o aumento de repasse de recursos ao hospital por conta de ampliação de leitos em vista do esgotamento do referido teto financeiro (fl. 654, Anexo I, Vol. 3).

Assim, defende o hospital réu que a interpretação correta para a dedicação de 100% ao Sistema Único de Saúde se restringiria à obrigação de cumprimento das metas estabelecidas pelo gestor, destacando que este jamais pretendeu o atendimento exclusivo ao Sistema Único de Saúde pelo hospital, em virtude da ausência de verbas orçamentárias para custeá-lo. Neste aspecto, cabe referir a posição do Município de Porto Alegre declinada em sua contestação de que não se oporia que o hospital réu dedicasse 100% de seu atendimento ao Sistema Único de Saúde, desde que houvesse o correspondente custeio por verbas federais, o que parece não existir. Com efeito, o equilíbrio econômico-financeiro do convênio está garantido tanto pelas disposições contidas nos atos normativos acima apontados, como no próprio contrato, não havendo como se impor ao réu a obrigação pretendida na inicial sem a correspondente fonte de custeio. Por seu turno, a União afirma em sua contestação que o réu, além de ter prorrogada a sua certificação como hospital de ensino, teria até o ano de 2010 para cumprir os requisitos previstos na Portaria Interministerial MEC/MS 2.400/07, que revogou a Portaria nº 1.000/04, dentre eles a migração para o atendimento exclusivo ao Sistema Único de Saúde. Destacou, ainda, que seus órgãos responsáveis não teriam conhecimento de qualquer irregularidade no cumprimento do convênio pelo hospital, o que reforça a conclusão do réu acerca de inexistir, até pelo menos o ajuizamento da demanda, o efetivo interesse dos entes federados em ver cumprido o requisito de exclusividade previsto nos atos normativos expedidos pela União.

Nota-se que, embora a Portaria Interministerial 1.000/04 tenha sido efetivamente revogada pela Portaria Interministerial 2.400/07, esta, além de prever a integralização da meta de 100% do atendimento hospitalar ao Sistema Único de Saúde, no prazo de 2 anos, previu igualmente a garantia do equilíbrio econômico-financeiro do convênio, assim dispondo:

Art. 7º Definir que as unidades hospitalares que desejarem ser certificadas como Hospital de Ensino deverão cumprir os seguintes requisitos:
...
XII - dedicar um mínimo de 60% da totalidade dos leitos ativos e do total dos procedimentos praticados ao Sistema Único de Saúde :
a) os hospitais públicos devem assumir o compromisso de ampliar gradualmente essa porcentagem, até atingir 100%, no prazo de dois anos, sendo asseguradas as condições de equilíbrio econômico-financeiro no convênio com o gestor local do SUS;

b) todos os benefícios decorrentes das novas modalidades conveniadas/contratuais entre os hospitais de ensino e o gestor serão proporcionais ao numero de leitos e procedimentos destinados ao SUS;

Não fora isso, o Estado do Rio Grande do Sul, ao sustentar a responsabilidade do Município de Porto Alegre, gestor local do Sistema Único de Saúde, defendeu a inviabilidade do atendimento do pedido deduzido na inicial "uma vez que o repasse financeiro aos Municípios é devidamente pactuado junto a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), que é a instância básica para a viabilização dos propósitos integradores e harmonizadores do SUS, sendo o fórum de negociação, integrados pelos gestores municipal e estadual. Além disso, há necessidade da descentralização dos serviços para que a alta Complexidade possa ser presta o mais próximo possível ao domicílio dos usuários, de forma a não prejudicar os municípios do interior e seus cidadãos, onerando, ainda mais, os Tesouros Municipais com deslocamentos dos mesmos a Porto Alegre. Ademais, os recursos financeiros em questão são federais, não havendo autonomia do Estado quanto ao repasse de verbas públicas aos municípios, pois, como antes exposto, a pactuação integra a regionalização do SUS e é discutida de forma colegiada junto à CIB " (fl. 622).

Há que se concluir, portanto, que a matéria envolve a própria gestão do sistema, já que, para dar viabilidade ao alcance da meta de 100% de atendimento ao Sistema Único de Saúde, seria necessária a realocação de verbas e um novo gerenciamento sobre os serviços prestados em âmbito municipal e estadual. Com efeito, considerando que o Sistema Único de Saúde é disciplinado e gerido por todas as esferas de governo (União, Estado e Município), por meio de ações articuladas que ordenam os serviços prestados na área de saúde e as fontes de custeio, a intervenção do Poder Judiciário, no caso concreto, onde não resta claro como se daria o correspondente equilíbrio econômico-financeiro do convênio pactuado entre o Município e o hospital réu, dependendo de políticas de gestão e de orçamento (art. 36 da Lei nº 8.080/90), mostra-se indevida, sob pena de violação do postulado da separação dos poderes. Isso porque não há como o Poder Judiciário se substituir à Administração Pública para determinar um comando genérico de realocação de recursos públicos para fazer frente à demanda de um único hospital público, mormente quando existente um convênio com o gestor do Sistema Único de Saúde, que não restou denunciado por nenhuma das partes, embora existente cláusula específica neste sentido, justamente porque o hospital vem cumprindo as metas estabelecidas de comum acordo, inclusive ultrapassando-as sem o correspondente ressarcimento. Aliás, causa certa perplexidade o fato de existir a possibilidade de denúncia do convênio por ambas as partes, o que tornaria possivelmente ineficaz o comando judicial que acolhesse o pedido deduzido na inicial, acaso, em seguida, fosse denunciado o convênio. O provimento judicial, nessa hipótese, restaria condicionado à vigência do convênio.

Ainda sobre o aspecto do gerenciamento do hospital e do próprio convênio estabelecido com o gestor Municipal, vê-se que o percentual de 100% perseguido com a demanda já é adotado em relação alguns serviços, como atendimento de emergência e consultas, consoante se verifica da informação prestada pelo hospital ao Ministério Público Federal já no ano de 2007 (fl. 1081, Anexo I, Vol. 4, o Inquérito Civil). Não se pode desconsiderar, ademais, a atividade de pesquisa do hospital que eventualmente possa a ser afetada com o percentual de 100% de destinação ao Sistema Único de Saúde, o que ressalta a necessidade de um planejamento que passa, forçosamente, pela articulação dos entes federados responsáveis pelo sistema, além das opções a serem feitas pelo próprio Ministério da Educação a quem está vinculado o hospital. Dos atos normativos aplicados à espécie essa matéria não se mostra suficiente clara, o que dificulta sobremaneira eventual provimento judicial que venha acolher o pedido de molde a compatibilizá-lo com a demanda de pesquisa própria aos fins da instituição, tudo a indicar sobre a necessidade de composição entre o gestor e nosocômio. Embora o Ministério Público Federal saliente que as pesquisas que se dão no hospital sejam financiadas por meio próprios, como, por exemplo, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, há que se considerar a existência de uma boa estrutura para que elas se desenvolvam a contento, o que angariado, também, em razão da gestão levada a efeito até o momento, com o ingresso dos recursos combatidos na inicial.

Diante dessas considerações, impõe-se o julgamento de improcedência do pedido.

III – Dispositivo

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido, extinguindo o feito com exame do mérito, com fundamento no art. 269, I, do CPC.

Sem custas e honorários, conforme o art. 18 da Lei nº 7.347/85.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se, inclusive do disposto no art. 1º, § 4º, da Resolução nº 49/2010 do TRF da 4ª Região, que determina o cadastramento dos advogados, nos termos do art. 5º da Lei nº 11.419/06, para que se proceda à digitalização do processo e envio do processo eletrônico em caso de eventual recurso.

Porto Alegre, 24 de outubro de 2011.

Maria Helena Marques de Castro
Juíza Federal Substituta