terça-feira, 11 de janeiro de 2011

SENTENÇA - RESOLUÇÃO CONTRATUAL - ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

 
S E N T E N Ç A

Na Comarca de Itabira, MG, xxxxxxxxx ajuizou, aos 03.JUN.2009, “ação de reintegração de posse com pedido de liminar” em face de xxxxxxxxx, no bojo da qual requereu, em caráter liminar, a expedição de mandado de reintegração de posse de veículo automotor objeto de arrendamento mercantil, bem assim, ao fim do processo, a consolidação da posse plena do bem.
Como causa de pedir, aduziu haver celebrado com o demandado, aos 21.MAR.2007, contrato de arrendamento mercantil do veículo FIAT modelo MILLE FIRE, ano 2007, placa  xxxxxxxxx.
Todavia, teria o demandado caído em inadimplência, pois que não teria pago a 23ª (vigésima terceira) prestação vencida aos 21.FEV.2009, embora tenha quitado as duas subsequentes, daí a constituição em mora e os pedidos vertidos na petição inicial.
À causa deu o valor de R$ 1.307,06 (mil trezentos e sete reais e seis centavos).
Vieram os documentos de folhas 05-29.
Custas recolhidas à folha 30.
Porque presentes todos os pressupostos legais, a modelar magistrada então em substituição nesta Vara deferiu a medida liminar ambicionada.
Às folhas 37-39, promoveu a demandante emenda à petição inicial, informando que a única parcela “em aberto” seria a vigésima terceira, e que o demandado continuava quitando pontualmente as subsequentes.
A certidão de folha 54 dá conta de que a parte autora requereu o não cumprimento do mandado de reintegração de posse.
Seguiu-se nova decisão às folhas 55-56, desta feita da lavra do culto titular desta Vara, ratificando a liminar anteriormente concedida mediante imposição de condições.
Cálculo do quantum debeatur à folha 58.
Às folhas 66-68, o demandado apresentou resposta na modalidade de contestação na qual informou que a mora alvitrada na petição inicial decorreu de erro da instituição financeira responsável pelo recebimento, que teria feito cálculo “a menor” cuja diferença seria de R$ 41,81 (quarenta e um reais e oitenta e um centavos).
Noticiou a retomada do bem pela demandante.
Pelo despacho de folha 78, o magistrado então em exercício determinou a intimação do demandado para que comprovasse o integral pagamento da parcela vencida aos 21.FEV.2009, o que foi feito à folha 80.
Novas decisões determinaram o recolhimento do mandado de reintegração de posse e a manifestação da parte autora, bem assim a devolução do bem ao réu.
É o RELATÓRIO do quanto necessário.  Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
Não há nulidades a serem sanadas e porque se encontram presentes os pressupostos processuais e as condições para o legítimo exercício do direito de ação, passo, súbito, ao mérito.
Defiro os benefícios da assistência judiciária gratuita ao demandado.
Os documentos carreados aos autos pelo prestamista demonstram, de maneira inequívoca, que vem ele adimplindo com suas obrigações contratuais, conquanto, é certo, tenha pago a destempo algumas parcelas, recolhendo os valores dos encargos moratórios.
Com efeito, o vencimento da obrigação deu-se aos 21.FEV.2009, azo em que deveria ter pago a quantia de R$ 585,31 (quinhentos e oitenta e cinco reais e trinta e um centavos), mas o pagamento só veio a se efetivar no dia 06.MAR.2009, tendo o demandado desembolsado a quantia de R$ 543,50 (quinhentos e quarenta e três reais e cinquenta centavos).
Por força de determinação judicial, pagou, aos 12.JAN.2010, diferença de R$ 90,00 (noventa reais), consistente no valor pago a menor, acrescido de encargos moratórios.
A parte autora nada disse sobre o pagamento da diferença.
De lá para cá, não há notícia de inadimplemento superveniente.
Consoante visto, embora tenha realizado a destempo o pagamento da vigésima terceira prestação, fê-lo acrescentando encargos moratórios.
Segundo ressai dos autos, havia uma diferença de R$ 90,00 (noventa reais) que, vis a vis o valor da prestação tardiamente adimplida, mostra-se ínfimo, irrisório.
A impontualidade do prestamista, causando a incidência de juros e demais encargos moratórios, torna incerto o acanhado saldo devedor, de fora à parte o substancial adimplemento do contrato, que vem sendo observado, ao que tudo indica, pelo demandado, ressalvado o pagamento “a menor” da vigésima terceira prestação, já complementado.
Destarte, não me parece razoável a ruptura do vínculo contratual, com a consequente retomada do bem financiado, pois que o saldo em desfavor do consumidor é diminuto e incerto, por força da pequenez do valor e da incidência de encargos moratórios diversos.
Ergo, ainda que assista ao demandante o direito de pleitear crédito, a boa-fé objetiva, que atua no campo contratual até mesmo durante a execução da avença, faz não parecer équa a resolução contratual por força de uma diferença cuja quantificação é imprecisa e que não restou justificada pela demandante em sua impugnação.
Peço vênia para transcrever acórdão emanado do egrégio Superior Tribunal de Justiça, que entendo, mutatis mutandis, aplicável à vertente:
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial.
O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido" (REsp. n. 272739, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 01.03.2001).

O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475. (confira-se o Enunciado nº 361 das Jornadas de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal).
Não me parece atender aos imperativos da função social do contrato (Código Civil, artigos 421 e 2.035, parágrafo único) e da boa-fé objetiva (Código Civil, artigo 422) a pretensão de contratante que tenciona romper o vínculo contratual com base em diferença incerta e de tão pequena monta, como na hipótese em tablado.
Nessa ordem de considerações, extingo o feito com resolução do mérito (Código de Processo Civil, artigo 269, inciso I) e julgo IMPROCEDENTE o pedido, condenando a demandante nas custas processuais e na verba honorária que, atento à singeleza da manifestação das partes e à ausência de audiências, fixo em R$ 800,00 (oitocentos reais), na forma do artigo 20, §4º do Código de Processo Civil.
Corolário, REVOGO a liminar concedida para tornar definitiva a restituição do bem ao demandado.
P.R.I.
Itabira, xxxxxxxxx.



PEDRO CAMARA RAPOSO LOPES
Juiz de Direito

Nenhum comentário:

Postar um comentário