S E N T E N Ç A
Nesta comarca de xxxxxxxxx, MG, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS ofereceu denúncia em face de xxxxxxxxx, atribuindo-lhe as condutas descritas no artigos 38 e 48 da Lei nº 9.605, de 1998.
Eis, brevitatis causa, trecho da denúncia:
No dia xxxxxxxxx, em patrulhamento, na “Fazenda xxxxxxxxx”, zona rural, nesta comarca, a Polícia Militar do Meio Ambiente constatou desmate efetuado pelo denunciado em uma área de 1,9 hectares numa encosta, topo de morro, sem autorização do órgão competente, conforme se constata no BO de fls. 04/05 e laudo pericial de fls. 29/32.
O desmatamento ocorreu em três áreas distintas sendo 1,3 hectares compreendia o terço superior da encosta de um morro, considerada área de preservação permanente, 800 metros quadrados com presença de vestígios do desmate e 400 metros quadrados correspondia à porção superior da encosta de um morro, também considerada área de preservação permanente (fls. 30/31).
Na primeira e segunda área onde ocorreu o desmate, o denunciado dificultou a regeneração natural da vegetação desmatada plantando capim braquiária para formação de pasto.
Com o desmate, o autor auferiu um rendimento lenhoso de 80m3 (oitenta metros cúbicos) de lenha nativa (auto de infração de fls. 09).
A denúncia foi recebida aos xxxxxxxxx, ocasião em que foi determinada a citação do denunciado (folha 47), e veio acompanhada do Inquérito Policial nº xxxxxxxxx.
Citação ao fólio 54.
Resposta escrita às folhas 57-59, acompanhada de rol de testemunhas.
Audiência de Instrução e Julgamento realizada aos 09 de dezembro de 2009, ocasião em que foram ouvidas as testemunhas xxxxxxxxx (folha 81), xxxxxxxxx (folha 82), xxxxxxxxx (folha 83) e xxxxxxxxx (folha 84).
Interrogatório do acusado à folha 85.
Em suas alegações finais de folhas 89-91, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS pugnou pela procedência do pedido.
A defesa, em suas alegações finais de folhas 94-96, sustentou a absolvição, impugnando o laudo técnico realizado e imputando a degradação ambiental às sucessivas queimadas que ali houve no decorrer dos anos.
Laudo pericial às folhas 32-35.
Relatório da digna autoridade policial à folha 07.
Certidão de Antecedentes Criminais (CAC) à folha 39.
Folha de Antecedentes Criminais (FAC) às folhas 42-43.
É o RELATÓRIO do quanto necessário. Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
Não há nulidades a serem sanadas. À falta de preliminares a serem enfrentadas e presentes as condições da ação e pressupostos processuais, passo, súbito, ao mérito.
1. QUANTO AO CRIME DE QUE TRATA O ARTIGO 38 DA LEI Nº 9.605, DE 1998.
Do laudo pericial de folhas 32-35, notadamente de seu item “Do Local”, transcrevo o seguinte excerto, ipsissima verba, sem os grifos ora adicionados:
[...] A propriedade vistoriada podia ser localizada a aproximadamente 4 km da cidade de xxxxxxxxx, inserida em trecho marginal esquerdo da rodovia de acesso a esta cidade (sentido xxxxxxxxx). Junto a mesma se faziam presentes esparços fragmentos florestais contendo espécies vegetais nativas de pequeno e médio porte, inseridos em topo e encostas de morros, intercalados por áreas de pastagens. [...]
Segundo o artigo 38 da Lei nº 9.605, de 1998, constitui crime destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente.
O conceito de “floresta” avulta de importância, por isso que elementar do tipo. Segundo o escólio de LUIZ RÉGIS PRADO (Crimes contra o meio ambiente, 1998, p. 97), floresta “é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa.”
Parece-me, nesta senda, que “esparços fragmentos florestais contendo espécies vegetais nativas de pequeno e médio porte”, tal como mencionado no Laudo Pericial, não se amoldam ao tipo legal, fazendo com que eventual atividade desenvolvida pelo réu (o corte de madeira para a construção de cerca impeditiva de acesso de gado vacum à estrada), reflua para o campo da atipicidade.
Sendo a conduta atípica, a absolvição é medida de rigor, a teor do artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal (CPP).
2. QUANTO AO CRIME DE QUE TRATA O ARTIGO 48 DA LEI Nº 9.605, DE 1998.
A materialidade da infração penal restou positivada no Laudo Pericial, que foi taxativo no sentido de que, na área onde havia ocorrido incêndios em tempos anteriores, foi plantado capim do tipo “braquiaria”, utilizado na atividade pastoril do réu, de molde a dificultar a regeneração da vegetação local praticamente dizimada pelo fogo de origem desconhecida.
Confira-se trecho do laudo pericial, verbatim:
[...] Os vestígios relacionados ao evento em pauta se faziam evidentes pela presença de porções basais (tocos) dos exemplares vegetais abatidos em toda a área, sendo que estes apresentavam-se parcialmente carbonizados, indicando ter ali ocorrido a utilização de fogo.
Nesta porção de terreno nota-se claramente que ocorrera a inserção de capim braquiaria, numa tentativa de formar área de pastagem, dificultando a regeneração natural da vegetação danificada, encontrando-se inclusive neste local várias cabeças de gado pastando. [...]
Anoto que os apontamentos lançados pelos ilustres peritos encontram-se no mesmo eito de todos os depoimentos constantes nos autos, no sentido de que “houve incêndios sucessivos no imóvel do acusado, originados do asfalto, provocados por terceiros, no período de outubro”[1] e de que “a maior parte da madeira utilizada pelo acusado havia sido atingida pelo fogo.”[2]
A autoria emerge diáfana da utilização, pelo réu, com exclusividade, dessa porção de terras com a finalidade pecuária, donde é possível inferir que, sendo o único beneficiário da plantação, de fato plantou capim na área anteriormente devastada pelos incêndios.
O fato é típico pois o artigo 48 da Lei nº 9.605, de 1998 já não contém a elementar “floresta” como elemento normativo do tipo penal, sendo mais abrangente para abarcar também as “demais formas de vegetação”.
Tendo sido o imóvel parcialmente devastado por sucessivos incêndios, ao acusado impunha-se o dever de curar para que a vegetação se recompusesse, máxime em se tratando de área de preservação permanente, como restou incontroverso.
Não há causas dirimentes de antijuridicidade ou de culpabilidade.
Com efeito, até poder-se-ia excogitar de erro de proibição, mas tal dirimente fica afastada pelo próprio depoimento do acusado em sede administrativa, ao asserir que “tem conhecimento de que a extração de madeira por ele realizada é ilegal” (folha 20, com supressões decorrentes da síntese).
Se tinha condições de, no caso de concreto, compreender o caráter antijurídico da conduta de desmatar, certamente era de seu conhecimento de que impedir a regeneração das espécies erradicadas era obrigação que a ele se impunha.
Nessa ordem de considerações, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal veiculada na denúncia de folhas 02-03 para CONDENAR xxxxxxxxx como incurso nas sanções do artigo 48 da Lei nº 9.605, de 1998.
Assim sendo, passo a dosar-lhe a pena, de forma pormenorizada, individualizada e sempre atento ao método trifásico de Hungria.
Quanto à gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente, a pequena área objeto da atitude impeditiva do acusado poucos efeitos produziu para a biocinese já tocada pelo incêndio.
A Certidão de Antecedentes Criminais ("CAC") de folha 39 demonstra não ser o sentenciado contumaz descumpridor da legislação de interesse ambiental.
Fixo, assim, a pena-base em 06 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias multa, fixados no mínimo legal, tendo em vista a ausência de dados que permitam inferir por uma melhor situação financeira do acusado.
Na segunda fase de aplicação da pena, é de ver que a conduta delituosa ocorreu dentro em espaço territorial especialmente protegido[3] e com animus lucrandi, merecendo, portanto, maior rigor na repreensão judicial, consoante me determina o artigo 15, inciso II, alíneas “a” e “l” da Lei nº 9.605, de 1998, razão pela qual aumento a pena provisória para 09 (nove) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa, fixados no mínimo legal consoante acima firmado, pena essa que torno definitiva e concretizada, de vez que não há causas de diminuição ou de aumento depena.
Prescrevo-lhe o regime inicial aberto (artigo 33, §2º, alínea “c”).
Presentes os pressupostos legais, substituo a pena corporal por uma restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade junto à Prefeitura Municipal de xxxxxxxxx, serviços esses que deverão necessariamente estar relacionados à manutenção de parques e jardins públicos ou unidades de conservação.
Inviável a concessão da suspensão condicional da pena, a teor do artigo 77, inciso III do Código Penal brasileiro.
Condeno o acusado também no pagamento dos valores necessários à reparação dos danos causados pela infração, conforme apurados em liquidação por arbitramento. Tais valores deverão necessariamente ser empregados na recuperação da cobertura vegetal afetada pela atividade.
Condeno finalmente o réu ao pagamento de das custas processuais e da taxa judiciária (Código de Processo Penal, artigo 804).
Concedo ao sentenciado o direito de recorrer em liberdade, se por outro motivo não estiver preso, uma vez que não estão presentes os requisitos que autorizam a decretação de sua prisão provisória.
Com o trânsito em julgado:
a) Lance-se o nome do réu no rol dos culpados;
b) Oficie-se a Justiça Eleitoral, para os fins do artigo 15, inciso III, da Constituição da República;
c) Preencham-se os boletins individuais, com a conseqüente remessa ao Instituto de Identificação neste Estado;
d) Intime-se o réu para o pagamento das penas de multa e custas processuais, no prazo legal.
e) expeça-se carta de guia de execução para o Juízo da Execução Penal.
Publico em mãos do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo, registrando-a em livro especialmente destinado a esse fim.
Intimem-se a defesa e o Ministério Público pessoalmente.
Expeçam-se mandados de intimação pessoal ao sentenciado.
Não havendo recurso por parte do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, volvam-me os autos a fim de que seja declarada extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição, na forma do artigo 61 do Código de Processo Penal (CPP), c.c. o artigo 110, parágrafo único do Código Penal brasileiro.
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Pedro Camara Raposo Lopes
Juiz de Direito
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[3] 1) unidades de conservação; 2) áreas protegidas; 3) quilombos; 4) áreas tombadas; 5) monumentos arqueológicos e pré-históricos; 6) áreas especiais e locais de interesse turístico; 7) reserva da biosfera; 8) corredores ecológicos e zonas de amortecimento; 9) Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Serra do Mar, Pantanal Mato-grossense e Zona Costeira; 10) jardins botânicos, hortos florestais e jardins zoológicos; 11) terras devolutas e arrecadadas necessárias à proteção dos ecossistemas naturais; 12) áreas de preservação permanente e reservas legais; e 13) megaespaços ambientais (PEREIRA, P. F. Conceito e implicações dos espaços territoriais especialmente protegidos no ordenamento ambiental. 2006, 63 p., Brasília. Monografia (Especialização em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental), Universidade de Brasília. (UnB-CDS).)
A sentença de mérito lavrada por V. Exa., abordando o conceito de floresta é digna de alausos. Exercendo o cargo de Autoridade de Polícia sempre defendi que "espécies nativas de pequeno porte" não se inserem no conceito de florestas, assim como "destruição de capoeira nativa", também não. Este também é o entendimento de Silvio Maciel na obra:
ResponderExcluirLEGISLAÇÃO CRIMINAL ESPECIAL - VOL.6
Coleção Ciências Criminais
Coordenador: Luiz Flávio Gomes
Coordenador: Rogério Sanches Cunha
Editora Revista dos Tribunais