Me colaram no tempo, me puseram
Uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou
Limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
A leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.
Me vejo numa nebulosa, rodando, sou um fluído,
Depois chego à consciência da terra, ando como os outros,
Me pregam numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
Gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar,
Alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem
Nem o mal.
Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,
Tonto de vidas, de chriros, de movimentos, de pensamentos,
Não acredito em nenhuma técnica.
Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas espanholas,
É por isso que sai às vezes pra rua combatendo personagens imaginários,
Depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas,
Na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.
Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando populações...
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida.
Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça.
Triângulos, estrelas, noites, mulheres andando,
Presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me chamam a atenção,
O mundo vai mudar a cara,
A morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.
Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
Me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
Na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.
Tudo transparecerá:
Vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra,
O vento que vem da eternidade suspenderá os passos
Dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
Vibrarei nos canjerês do mar, abraçarei as almas no ar,
Me insinuarei nos quatro cantos do mundo.
Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
Os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens “práticos”...
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
Aos soldados que perderam a batalha, às mães bem mães,
As fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito...
Viva eu que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.
Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
Dos amores raros que tive,
Vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
Tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,
Estou no ar,
Na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
No meu quarto modesto da praia de Botafogo,
No pensamento dos homens que movem o mundo,
Nem triste, nem alegre, chama com dois olhos andando,
Sempre em transformação.
Este blog dedica-se à divulgação de textos literários e informações jurídicas relevantes para advogados, juízes, procuradores, promotores e estudantes de Direito.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
SENTENÇA - PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
JUSTIÇA
ESTADUAL
DE
1ª
INSTÂNCIA
COMARCA
DE
PARÁ DE MINAS
1ª
VARA
CÍVEL
AUTOS
Nº :
|
0471.15.006413-0
|
Num.
Única
:
|
0064130-82.2015.8.13.0471
|
AUTOR :
|
FARMÁCIA
EMANUEL
BRAGA
LTDA
|
ADV.
:
|
Dr.
Flavio Mendes Benincasa
|
RÉU :
|
CHEFE
DA
VIGILÂNCIA
SANITÁRIA
DE
PARÁ
DE
MINAS
|
ADV.
:
|
XXXXXXXXXXXXX
|
CLASSE :
|
Mandado
de
Segurança
|
Assunto :
|
ADMINISTRATIVO
E OUTRAS MATÉRIAS DE PÚBLICO > Atos Administrativos >
Fiscalização > Competência do Órgão Fiscalizador
|
Juiz
Prolator
:
|
Pedro
Camara
Raposo-Lopes
|
Data
:
|
05/02/16
|
S
E
N
T
E
N
Ç
A
Vistos
e
examinados
estes
autos,
passo
a
relatar.
Na
Comarca de Pará de Minas, MG, FARMÁCIA
EMANUEL BRAGA LTDA.,
devidamente qualificada e nestes autos devidamente representada por
ilustre advogado, impetrou, aos 12.mai.2015, mandado de segurança
contra ato apodado de ilegal/abusivo de poder praticado pelo Ilmº
Sr. CHEFE
DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA DE PARÁ DE MINAS,
no bojo do qual pediu a concessão de segurança que determine à
autoridade impetrada a abstenção de fato que consista em “efetuar
qualquer tipo de sanção à impetrante e suas filiais por ocasião
da manipulação (com ou sem prescrição prévia – receita médica
ou ordem de manipulação do farmacêutico), exposição ou estoque
mínimo (nos termos do item 10.2 do anexo da RDC 67/2007) e
comercialização de produtos fitoterápicos (isentos de prescrição)
e produtos cosméticos […] , por força de suas prerrogativas
profissionais conferidas pelo art. 1º, IV, da Resolução 467/2007
do Conselho Federal de Farmácia, bem como a permissão dada aos
profissionais farmacêuticos magistrais contida na RDC 87/2008 da
Anvisa, de prescreverem e indicar medicamentos manipulados na forma
dos itens 5.17, 5.17.1. e 5.17.2. da RDC 87/2008 considerando seus
próprios procedimentos e controles de qualidades realizados [...]”.
Como causa de pedir,
aduziu ser sociedade empresária que se dedica ao fabrico e
comercialização de fórmulas magistrais e oficinais, inclusive
cosméticos e fitoterápicos manipulados isentos de prescrição
médica, donde a necessidade de manutenção de estoques de produtos
finalizados.
A autoridade impetrada,
entretanto, vem exigindo que a preparação no estabelecimento da
impetrante seja precedida de ordem de manipulação (prescrição
médica), o que decorreria da equivocada interpretação da Resolução
RDC 67, de 2007.
Demais disso, a proibição
de exposição contida no subitem 5.14 do mesmo ato normativo, sobre
não encontrar respaldo em lei, violaria diversos cânones
constitucionais, dentre os quais o da legalidade, o da proteção do
consumidor, o do livre exercício profissional, o democrático, o
isonômico, o da livre iniciativa, o do valor social do trabalho e o
da razoabilidade.
Especa-se
na interpretação do artigo 4º, inciso X da Lei nº 5.991, de 1973;
das Resoluções CFF nºs 546, de 2011; 467, de 2007; e 477, de 2008;
da Instrução Normativa ANVISA nº 05, de 2008; e da Resolução RDC
nº 67, de 2007 [esta
que, segundo alvitra, em alguns de seus aspectos, veicularia decreto
autônomo ou independente].
Propugnou ainda que as
vedações impostas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
com esteio na qual a autoridade impetrada estaria a lastrear sua
atuação) seriam abusivas em relação às prerrogativas
profissionais dos farmacêuticos que devem prevalecer, inclusive a
possibilidade de manter em estoque o produto finalizado, em
consonância com os princípios da Livre Iniciativa, do Livre
Exercício da Profissão e da Livre Concorrência.
À causa deu o valor de
R$ 1.000,00 (mil reais).
Com a petição inicial,
vieram os documentos de folhas 29-266.
Aos fólios 270-271,
restou deferida a liminar ambicionada.
A
digna autoridade impetrada prestou informações às folhas 274-280,
erigindo preliminares de inadequação da via eleita e de
ilegitimidade passiva ad
causam.
No mérito, sustentou a
legalidade da RDC nº 67, de 2007.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE MINAS GERAIS, em lúcido parecer da lavra da denodada
Promotora de Justiça Juliana Maria Ribeiro da Fonseca Salomão,
opinou pela concessão da segurança.
É
o
RELATÓRIO
do
quanto
necessário.
Passo
a
FUNDAMENTAR
e
DECIDIR.
Não
há
nulidades
a
serem
sanadas,
tampouco
vislumbro a
presença
de
qualquer
delas
que
possa
ou
deva
ser
reconhecida
de
ofício.
Pressupostos processuais de existência e validade da relação
processual presentes.
Quanto
à preliminar de ilegitimidade passiva ad
causam,
anoto que a competência para fiscalizar a impetrante e a cognata
legitimidade para responder a mandado de segurança que vise a
arrostar a prática ou a iminência da prática de ato de
fiscalização, encontra sede legal no artigo 18, inciso IV, alínea
"b" da Lei Federal n.º 8.080, de 1990. verbatim:
Art.
18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:
[…]
IV
- executar serviços:
[...]
b)
de vigilância sanitária.
Se
assim é, conquanto parte das normas atinentes à atividade da
impetrante esteja sotoposta à competência legiferante da União, ex
vi
dos artigos 23, inciso II, 24, inciso XII e 200, todos da Lex
Legum,
aos órgãos municipais de de vigilância sanitária compete a
fiscalização do fiel cumprimento dessas normas, dentro nas balizas
do sistema tripartite.
As demais preliminares confundem-se
com o mérito e com ele serão apreciadas.
Funda-se a controvérsia em três
questões nucleares: a) na possibilidade de manipulação e
comercialização de produtos fitoterápicos e cosméticos que não
requeiram prescrição médica; b) na possibilidade de exposição de
produtos fitoterápicos e cosméticos manipulados; c) na
possibilidade de mantença de estoque mínimo de produtos
fitoterápicos e cosméticos.
Sustenta
a impetrante que as prescrições constantes na Resolução RDC nº
67, de 2007 extrapolaram o poder normativo para estabelecerem, ex
novo,
restrições não condizentes com normas de estatura constitucional
superior, notadamente as Leis nºs 5.991, de 1973 e 6.360, de 1976,
ou por não encontrarem lastro em qualquer lei precedente,
caracterizando abuso de poder normativo mediante a expedição de
decretos praeter
legem.
Convém,
a bem da lógica, gizar em quais limites horizontais e verticais é
lícito à agência reguladora setorial editar regulamentos que
possam ser considerados válidos, vis
a vis
a tessitura legal com maior autoridade normativa.
A Lei n.º 9.782, de 1999, que
instituiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, criou,
também, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA,
autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, tendo ela como
finalidade institucional promover a proteção da saúde da
população, por intermédio do controle sanitário da produção e
comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância
sanitária, assim como interditar, como medida repressiva, os locais
de fabricação, controle, importação, armazenamento, distribuição
e venda de produtos e de prestação de serviços relativos à saúde,
em caso de violação da legislação pertinente (artigo 7º, inciso
XIV).
A mesma lei, em seu artigo 8º, dotou
a ANVISA de competência para expedir atos normativos tendentes a
regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que
envolvam risco à saúde pública, a exemplo dos medicamentos,
cosméticos, produtos de higiene e sancantes (Lei nº 6.360, de 1976
e Decreto nº 79.094, de 1977).
A
respeito do poder normativo das chamadas 'agências reguladoras', vem
a talho a seguinte preciosa ensinança doutrinária, ipsissima
verba:
A
agência reguladora independente é titular da competência
regulatória setorial.
Isso significa o poder de editar normas abstratas infralegais, adotar
decisões discricionárias e compor conflitos num setor econômico.
Esse setor pode abranger serviços públicos e (ou) atividades
econômicas propriamente ditas.
E
as decisões adotadas são vinculantes para diversos setores estatais
e não estatais, ressalvada a revisão jurisdicional.” (JUSTEN
FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5ª ed. São Paulo:
Saraiva. 2010. p.679).
Já
no ano de 2009, o egrégio Superior Tribunal de Justiça enfrentou a
delicada questão dos limites do poder normativo das Agências
Reguladoras [como
sói ser a ANVISA],
ao apreciar as restrições impostas aos chamados TRR
(Transportadores Revendedores Retalhistas), no mercado de
combustíveis. Confira-se, inter
plures:
PROCESSUAL
CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL.
TRANSPORTADOR-REVENDEDOR-RETALHISTA (TRR). PORTARIA ANP 201/99.
PROIBIÇÃO DO TRANSPORTE E REVENDA DE GLP, GASOLINA E ÁLCOOL
COMBUSTÍVEL. EXERCÍCIO DO PODER NORMATIVO CONFERIDO ÀS AGÊNCIAS
REGULADORAS. LEGALIDADE. 1. Ação objetivando a declaração de
ilegalidade da Portaria ANP 201/99, que proíbe o
Transportador-Revendedor-Retalhista - TRR - de transportar e revender
gás liquefeito de petróleo - GLP-, gasolina e álcool combustível.
2. A Lei nº 9.478/97 instituiu a Agência Nacional do Petróleo -
ANP -, incumbindo-a de promover a regulação, a contratação e a
fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria
do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis (art. 8º). 3.
Também constitui atribuição da ANP, nos termos do art. 56, caput e
parágrafo único, do mesmo diploma legal, baixar normas sobre a
habilitação dos interessados em efetuar qualquer modalidade de
transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, estabelecendo
as condições para a autorização e para a transferência de sua
titularidade, observado o atendimento aos requisitos de proteção
ambiental e segurança de tráfego. 4. No exercício dessa
prerrogativa, a ANP editou a Portaria 201/99 (atualmente revogada
pela Resolução ANP 8/2007), proibindo o
Transportador-Revendedor-Retalhista - TRR - de transportar e revender
gás liquefeito de petróleo - GLP-, gasolina e álcool combustível.
O
ato acoimado de ilegal foi praticado nos limites da atribuição
conferida à ANP, de baixar normas
relativas ao armazenamento, transporte e revenda de combustíveis,
nos moldes da Lei nº 9.478/97. 5. "Ao contrário do que alguns
advogam, trata-se
do exercício de função administrativa, e não legislativa, ainda
que seja genérica sua carga de aplicabilidade. Não há total
inovação na ordem jurídica com a edição dos atos regulatórios
das agências.
Na verdade, foram as próprias Leis disciplinadoras da regulação
que, como visto, transferiram alguns vetores, de ordem técnica, para
normatização pelas entidades especiais. " (Carvalho FILHO,
José dos Santos. "O Poder Normativo das Agências Reguladoras"
/ Alexandre Santos de Aragão, coordenador - Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2006, págs. 81-85). 6. Recurso Especial provido, para
julgar improcedente o pedido formulado na inicial, com a consequente
inversão dos ônus sucumbenciais. (STJ; REsp 1.101.040; Proc.
2008/0237401-7; PR; Primeira Turma; Relª Minª Denise Martins
Arruda; Julg. 16/06/2009; DJE 05/08/2009 – original sem grifos)
Em
sede
doutrinária,
em
obra
coletiva
organizada
pelo
Prof.
Fluminense
ALEXANDRE
DOS
SANTOS
ARAGÃO1,
sabidamente
um
dos
maiores
luminares
no
tema, e que
foi também utilizada no precedente supra,
assim
preleciona
ex
professo
GIOVANI
RIBEIRO
LOSS
(p.
127),
advogado
especialista
na
matéria,
verbatim:
Os
atos
regulatórios
criados
pelas
agências
devem
ter
natureza
de
regulamentos
administrativos,
visto
que
são
considerados
manifestações
da
função
administrativa
do
Estado.
Nesse
diapasão,
é
inquestionável
a
necessidade
de
previsão
legal
ou
regulamentar
de
todos
e
quaisquer
atos
administrativos
de
autoria
das
agências,
restando,
portanto,
apenas
duas
possíveis
relações
de
legalidade
envolvendo
o
poder
regulatório
nesse
caso,
que
seriam
a
(i)
sujeição
total
ou
a
(ii)
sujeição
especial.
No caso de sujeição total à lei, o ato regulatório consta de previsão legal, sendo a supremacia da lei limite da atividade regulatória, não podendo haver modificação, inovação, suspensão, supressão ou revogação da forma do ato regulatório pela agência, restando ao regulador atuar nos estritos termos da previsão legal estabelecida.
Em se tratando de sujeição especial, por sua vez, temos a flexibilização, mas não a supressão, do princípio da legalidade. Isso significa dizer que, nesse caso, a lei deverá prever cláusulas gerais, atribuindo competências às agências reguladoras e estabelecendo limites à sua atuação.
Existindo atribuição legal e nos estritos limites dessa atribuição, cabe às agências, por meio do indispensável ato regulamentar, estabelecer o conteúdo de seu poder regulatório aplicável ao caso específico, para que assim possa limitar a liberdade de iniciativa, em face da necessidade de intervenção estatal.
Faz-se imprescindível, por conseguinte, ainda que dado setor esteja no âmbito de abrangência da regulação setorial, e que certa medida possa ser considerada proporcional ao fim desejado, que exista previsão legal ou regulamentar prévia específica acerca do instrumento regulatório a ser utilizado, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Nesse caso, portanto, a legalidade aparece claramente como terceiro pilar limitador da atividade regulatória, acompanhando a subsidiariedade e a proporcionalidade, importando excesso do regulador afastar quaisquer desses princípios limitadores.
As
funções
então
cometidas
ao
Serviço
Nacional
de
Fiscalização
da
Medicina
e
Farmácia,
extinto
em
1976,
e
à
Secretaria
Nacional
de
Vigilância
Sanitária,
extinta
em
1998,
passaram
a
ser
executadas
pela
ANVISA,
cujo
poder
normativo
haure
sua
força
na
Lei
nº
9.872,
de
1999, notadamente em seu artigo
8º.
No
âmbito
da
competência
normativa,
deve-se
observar
que
não
poderia
o
legislador
antever
todos
os
aspectos
das
atividades
econômicas
socialmente
relevantes
e
que,
por
isso,
submetem-se
à
regulação,
até
por
conta
das
constantes
e
desejáveis
evoluções
técnicas
nesses
setores,
a
demandarem
novos
padrões
(standards)
normativos
que
visem,
dentre
outros
anelos,
a
salvaguardar
os
interesses
dos
consumidores.
A
natureza
compósita de
tais
atividades,
porque
dominadas
por
critérios
técnicos
impossíveis
de
serem
catalogados,
ex
ante,
em
ato
de
estatura
formalmente
legal,
permitem
a
edição
de
normas
com
baixa
densidade
normativa
[estabelecimento
de
finalidades
e
parâmetros].
Em
sua tese
de
doutoramento,
o
já
mencionado
professor
fluminense
ALEXANDRE
DOS
SANTOS
ARAGÃO2
assim
pontificou,
verbatim,
com
grifos
por
mim
adicionados:
As
leis
instituidoras
das
agências
reguladoras
integram,
destarte,
a
categoria
das
leis-quadro
(lois-cadre)
ou
standartizadas,
próprias
das
matérias
de
particular
complexidade
técnica
e
dos
setores
suscetíveis
a
constantes
mudanças
econômicas
e
tecnológicas.
Podemos ver, com efeito, que, apesar da maior ou menor magnitude de poder normativo legalmente outorgado nas suas esferas de atuação, todas as agências reguladoras – umas mais e outras menos – possuem competências normativas calcadas em standards, ou seja, em palavras dotadas de baixa densidade normativa, às vezes meramente habilitadoras, devendo exercer estas competências na busca da realização das finalidades públicas – também genéricas – fixadas nas suas respectivas leis.
As leis com estas características não dão maiores elementos pelos quais o administrador deva pautar a sua atuação concreta ou regulamentar, referindo-se genericamente a valores morais, políticos e econômicos existentes no seio da sociedade (saúde pública, utilidade pública, suprimento do mercado interno, boas práticas da indústria, competição no mercado, preços abusivos, continuidade dos serviços públicos, regionalização, etc.). Assim, confere à Administração Pública um grande poder de integração do conteúdo da vontade do legislador, dentro dos quadros por ele estabelecidos.
Segundo
a
já
mencionada
lição
de
GIOVANI
RIBEIRO
LOSS,
atendidas
a
sujeição
total
(previsão
legal
do
ato
normativo
infralegal)
e
sujeição
especial
(adstrição
aos
limites
gizados
na
legislação
autorizadora),
o
que
resta
perquirir
é
a
proporcionalidade
da
medida
adotada.
O
item
4
do
Anexo
da
Resolução
RDC
nº
67,
de
2007
[o
qual
veicula
o
Regulamento
Técnico
que
institui
as
boas
práticas
de
manipulação
em
farmácias
(BPMF)]
enverga
a
seguinte
redação,
com
grifos
por
mim
adicionados:
4.
DEFINIÇÕES
Para
efeito
deste
Regulamento
Técnico
são
adotadas
as
seguintes
definições:
[…]
Preparação
magistral:
é
aquela
preparada
na
farmácia,
a
partir
de
uma
prescrição
de
profissional
habilitado,
destinada
a
um
paciente
individualizado,
e
que
estabeleça
em
detalhes
sua
composição,
forma
farmacêutica,
posologia
e
modo
de
usar.
Trocando
em
miúdos,
determina
a
norma
infralegal
que
a
preparação
magistral
deva
ser
precedida
de
prescrição
de
profissional
habilitado
e,
ao
fazê-lo,
foi
meramente
expletiva
no
sentido
de
determinar
que
o
farmacêutico
responsável
deva
aviar
a
necessária
“ordem
de
manipulação”
caso
a
caso,
na
conformidade
das
necessidades
do
consumidor.
A
norma
não
fere
qualquer
princípio
constitucional.
O
que
se
pretendeu
evitar
foi
o
risco
de
que manipulação
de preparações magistrais em
escala
industrial
pudesse soçobrar a saúde dos consumidores, sendo que tal escolha,
sobre se inserir dentro nos estritos lindes da competência
discricionária técnica, escapa ao exame judicial, visto que não
desarrazoada.
É
bem
de
se
anotar
que
a
dispensa
de
registro,
a
que
alude
a
bem
lançada
petição
inicial
(folha
18
e
seguintes),
e
que
constava
no
rol
do
artigo
23
da
Lei
nº
6.360,
de
1976,
não
mais
subsiste,
haja
vista
a
expressa
revogação
do
artigo
23
pelo
artigo
10
da
Lei
nº
10.742,
de
2003,
lei
essa
que
definiu
as
normas
de
regulação
para
o
setor
farmacêutico
e
criou
a
Câmara
de
Regulação
do
Mercado
de
Medicamentos
– CMED.
Tal
norma
é,
inclusive,
posterior
ao
precioso
precedente
emanado
do
egrégio
Superior
Tribunal
de
Justiça
(AgRg
na
MC
6146/DF,
2ª
Turma,
Relator
o
Ministro
João
Otávio
de
Noronha).
Nesse
sentido,
nenhuma
importância
possui
a
Instrução
Normativa
ANVISA
nº
05,
de
2008,
que
se
limitou
a
veicular
lista
com
os
medicamentos
fitoterápicos
sujeitos
a
registro
simplificado
[de
necessário
registro,
portanto],
distinguindo
os
que
devem
ser
objeto
de
receita
médica
daqueles
que
dispensam
a
apresentação
de
receita
subscrita
por
esculápio.
Nada
disse
sobre
“ordem
de
manipulação”
ou
sobre
“prescrição
de
profissional
habilitado”
(seja
ele
médico
ou
não).
Também
anódino
o
artigo
81,
§2º
da
Resolução
RDC
nº
44,
de
2009,
o
qual
se
limita
a
determinar
que,
na
Declaração
de
Serviço
Farmacêutico,
conste
a
indicação
do
medicamento
isento
de
prescrição.
Com
efeito,
o
artigo
94
do
indigitado
ato
normativo
faz
expressa
referência
à
invectivada
a
Resolução
RDC
nº
67,
de
2007,
a
qual,
por
seu
turno,
é
o
ato normativo que
rege
as
Boas
Práticas
de
Manipulação
de
Preparações
Magistrais
e
Oficinais.
Quanto
à
possível
colisão
entre
as
normas
baixadas
pelo
Conselho
Federal
de
Farmácia
(CFF)
e
as
resoluções
da
ANVISA,
quer-me
parecer
que
não
haverá
crise
de
legalidade
se
cada
entidade
abdicar
da
pretensão
de
se
imiscuir
na
esfera
normativa
da
outra.
Assim
como
o
Conselho
Federal
de
Farmácia
pode
[e
deve]
disciplinar
a
profissão
do
farmacêutico,
não
exorbitará
de
suas
atribuições
normativas
caso
não
extrapole
o
quanto
dispõem
a
Lei
nº
3.820,
de
1960
e
o
Decreto
nº
85.878,
de
1981,
que
a
regulamentou.
Ao
autorizar
a
indicação
farmacêutica
relativa
a
plantas
medicinais
e
fitoterápicos,
não
teve
a
Resolução
CFF
nº
546,
de
2011
a
pretensão
de
conferir
autorização
legal
ao
farmacêutico
para
manipular
medicamentos
fitoterápicos
à
falta
de
necessária
prescrição
médica,
caso
exigida
pela
ANVISA.
Aliás,
a
tessitura normativa,
nesse
ponto,
é
coerente
e
harmônica,
fazendo
referência o
artigo
1º
da
Resolução
CFF
aos
atos
normativos
editados
pelo
“órgão
federal
de
vigilância
sanitária”
(leia-se,
a
ANVISA).
Confira-se,
com
os
grifos
por
mim
adicionados:
Art.
1º
– No
âmbito
de
sua
competência,
o
Conselho
Federal
de
Farmácia
conceitua
a
indicação
farmacêutica
como
sendo
o
ato
do
farmacêutico,
praticado
em
área
específica
do
estabelecimento
farmacêutico,
registrado
e
documentado,
fundamentado
na
informação
e
educação
ao
paciente/usuário
sobre
o
uso
correto
e
racional
de
plantas
medicinais
e
fitoterápicos,
que
possibilite
o
êxito
da
terapêutica,
induza
a
mudanças
nos
hábitos
de
vida
e
proporcione
melhores
condições
de
saúde
à
população.
Parágrafo
único
– A
indicação
farmacêutica,
de
que
trata
o
caput
deste
artigo,
deverá
ser
feita
com
base
em
conhecimentos
técnico-científicos,
em
princípios
éticos
e
em
consonância
com
as
resoluções
profissionais
e
com
as
do
órgão
federal
responsável
pela
vigilância
sanitária.
É
dizer,
caso
o
medicamento
encontre-se
na
lista
de
fitoterápicos
sujeitos
à
prescrição
médica
(confira-se
Instrução
Normativa
ANVISA
nº
05,
de
2008),
evidentemente
que
o
receituário
há
de
ser
exigido
pelo
farmacêutico.
Quanto
aos
cosméticos,
conceituados
ex
vi
legis
como
“correlatos”
(Lei
nº
5.991,
de
1971,
artigo
4º,
inciso
IV),
via
de
regra
a
manipulação
acha-se
isenta
de
receituário
por
profissional
habilitado,
exceto
os
heteroisoterápicos
provenientes
de
especialidades
farmacêuticas
sujeitas
à
prescrição
ou
que
contenham
substâncias
sujeitas
a
controle
especial
(Resolução
RDC
nº
67,
de 2007, item
6).
Insurge-se
a impetrante ainda contra as proscrições de exposição de produtos
manipulados e manutenção de estoque mínimo, constantes nos
subitens 5.14. e 10.1 [interpretação
a
contrario
sensu]
da já mencionada Resolução RDC nº 67, de 2007, verbis:
5.14.
Não é permitida a exposição ao público de produtos manipulados,
com o objetivo de propaganda, publicidade ou promoção.
[…]
10.1.
A farmácia pode manipular e manter estoque mínimo de preparações
oficinais constantes do Formulário Nacional, devidamente
identificadas e de bases galênicas, de acordo com as necessidades
técnicas e gerenciais do estabelecimento, desde que garanta a
qualidade e estabilidade das preparações.
A respeito da juridicidade da
normatização, sob pena de fastidiosa tautologia remeto às
considerações que teci a respeito do poder normativo das agências
reguladoras.
Em substância, uma vedação
encontra-se imbricada na outra.
Ora, se à farmácia é vedada a
manutenção de estoque mínimo de preparações magistrais,
evidentemente que não poderá exibir os produtos resultados da
manipulação, visto que se destinam exclusivamente a consumidor
perfeitamente individualizado, com o perdão pela pérola da
filosofia acaciana.
Cuida-se, reprise-se, de normativo
baixado na conformidade da discricionariedade técnica insusceptível
de controle judicial senão sob os vieses da razoabilidade e da
sujeição à norma legitimadora.
Em
hipótese em tudo símile à em tablado, a Corte bandeirante chegou a
idêntica conclusão no julgamento da Apelação Cível nº
0009333-46.2011.8.26.0533, de cujo voto líder, da lavra do eminente
Desembargador Ricardo Feitosa, extraio o seguinte excerto pelo
invulgar poder de síntese e pela precisão capilar, litteratin:
Com
efeito, tanto a vedação à exposição ao público de produtos
manipulados, com o objetivo de propaganda, publicidade ou promoção,
quanto a limitação da manutenção de estoque mínimo de bases
galênicas e de preparações magistrais e oficinais às farmácias
de atendimento privativo de unidade hospitalar, estabelecidas
respectivamente nos itens 5.14 e 10.2 do Anexo I da Resolução RDC
nº 67/207 da ANVISA inserem-se no poder regulamentar conferido à
agência aludida pela Lei nº 9.782/9, de “estabelecer normas,
propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações
de vigilância sanitária” e “regulamentar, controlar e
fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde
pública” (arts. 7º, inciso I e 8º).
Na
lição sempre precisa de Hely Lopes Meireles, “O regulamento,
embora não posa modificar a lei, tem a missão de explicá-la e de
prover sobre minúcias não abrangidas pela norma geral editada pelo
Legislativo. Daí a oportuna observação de Medeiros Silva de que “a
função do regulamento não é reproduzir, copiando-os literalmente,
os termos da lei. Seria um ato inútil se assim fosse entendido.
Deve, ao contrário, evidenciar e tornar explícito tudo aquilo que a
lei encera. Assim, se uma faculdade ou atribuição está implícita
no texto legal, o regulamento não exorbitará, se lhe der forma
articulada e explicita”.”
Também
não lobrigo a alvitrada quebra do princípio isonômico, ao
dispensar a legislação tratamento mais favorável [quanto
à manutenção de estoque mínimo]
às farmácias de atendimento privativo de unidade unidade
hospitalar.
O
elemento discriminador é evidentemente legítimo, na medida em que
tais estabelecimentos não possuem idêntico objeto mercantil,
devendo observar, demais disso, “as
necessidades técnicas e gerenciais do estabelecimento”.
A publicidade, com o perdão pelo
truísmo, visa a difundir a eficácia terapêutica de um determinado
fármaco ao consumidor leigo. Dada a especificidade do objeto
divulgado e o potencial risco à higidez coletiva, impõe-se de rigor
a normatização da publicidade em tais substâncias medicinais, nada
havendo de desarrazoado no discrímen.
Por tudo o que foi exposto, faz-se de
rigor a denegação da segurança.
Nessa
ordem de considerações, extingo o feito com resolução do mérito
(Código de Processo Civil, artigo 269, inciso I) e julgo
IMPROCEDENTE o
pedido para denegar a segurança, revogando a liminar anteriormente
concedida.
Custas
ex
lege.
Sem
honorários,
consoante
entendimento
cristalizado
no
Enunciado
nº
512
da
Súmula
do
excelso
Supremo
Tribunal
Federal,
revigorado
pelo
Enunciado
n.
105
da
Súmula
do
egrégio
Superior
Tribunal
de
Justiça
e
consagrado,
de
lege
lata,
no
artigo
25
da
Lei
nº
12016,
de
2009.
Havendo
recurso
por
qualquer
das
partes,
deverá
a
Secretaria
certificar
a
tempestividade,
volvendo-me
conclusos
os
autos
para
juízo
de
admissibilidade.
Ciência
à
autoridade
coatora,
com
cópia
da
sentença,
por
meio
de
ofício.
Inclua-se
no
SISTEMA
RUPE.
Preclusas
as
vias
impugnativas,
à
paz
do
arquivo.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Pará
de
Minas,
12 de
fevereiro de
2016.
PEDRO CAMARA RAPOSO-LOPES
Juiz de Direito
1ARAGÃO.,
Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito
Administrativo Econômico, 3ª edição. Forense, 2013, p. 441
2ARAGÃO.,
Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito
Administrativo Econômico, 3ª edição. Forense, 2013, p. 441.
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